segunda-feira, 21 de outubro de 2013

ROLETA RUSSA - a peça

CENA 01 – O prólogo

DELEGADO – Algo de muito grave está acontecendo aqui.

MARGARIDA - Horrível!!!! Aconteceu uma coisa Horrivel!!!!

LIS – Uma poça de sangue na cozinha!!!!
MARGARIDA – Eu... eu  assinei!!! Eu assinei!!! Eu assinei... Eu não podia ter...

DRA HORTENCIA  – Assassinou?
MARGARIDA -  Não!!! Eu disse que assineeeiiiii!!!! Antes tivesse assassinado!!!! E agora??? Que é que eu faço agora??? Eu não assino. Eu nunca assino!!! Eu não assino nunca, em hipótese alguma! Mas agora aquele gordo!!! Ele tem a minha assinatura!!!!

DONA CAMELIA - cheia de sangue... a mão dela estava...  que é que você me perguntou?

DRA HORTENCIA– E porque você não podia ter assinado?

DONA CAMELIA – Eu não podia ter deixado isso acontecer mas...
DELEGADO – Mas você é uma celebridade.

TULIPA – Não, que isso, imagina!!! Ainda não, eu canto em barzinho só!!! Mas a grana da arte mal dá pra comprar minhas calcinhas então eu também  maqueio pra aumentar o orçamento porque tá... tá fogo, viu? Esse país...

MARGARIDA– Eu sou!!! Eu sou!!! Eu sou!!! Eu sou muito celebridade!!! É verdade (se dando conta)!!!! Eu sou!!! E agora???
DELEGADO – E quem era?

DRA HORTENCIA - Uma  famosa apresentadora de TV!

LIS –  Meu pai.

MARGARIDA – O meu pai, eu preciso achar o meu pai!

DRA HORTENCIA– Uma apresentadora de TV deve dar autógrafos todos os dias!

MARGARIDA – É!!! Exatamente!!! Todos dias!!! Toda hora!!! Todo minuto!!! Cada minutinho, Cada segundinho!!! EU odeio dar autógrafo!!! Eu odeio!!! Eu odeio aquelas pessoas!!! Aquele gordo...

TULIPA – Eu me apaixonei de verdade. No início eu queria só cantar no programa dela, mas eu me apaixonei de verdade.

LIS – Eu acho que na vida ,o que nos conduz até a morte é o amor.

DONA CAMELIA – Você sabia disso? Que o coração é a primeira coisa na gente que vive e a última que morre?

HORTÊNCIA – A gente acorda e depois a gente dorme e depois a gente acorda e depois a gente dorme e depois a gente acorda de novo e depois a gente dorme de novo  e assim vai até a gente dormir e não acordar mais.

TULIPA – Não, não... Eu só maquio os cadáveres. Não tenho nenhum outro tipo de relação com eles. É tudo super profissional. Eu vou lá, maquio e vou embora.

DONA BEGONIA – Será que ele morreu? Eu fico me perguntando... Eu prefiro. Se ele tiver morrido eu prefiro. Melhor do que se ele tiver  me deixado. 

DETETIVE  - Um homem precisa ser encontrado.

TULIPA– O que?  Minha  mãe? Ah! Eu não me incomodo de ela me tratar como uma planta. Acho que é porque as plantas não dão tanto trabalho quanto cachorro e gente. Planta é uma coisa que mesmo viva parece morta! O troço fica lá imóvel, não faz nem um sonzinho.

MARGARIDA – Eu estou perdida agora que esse garoto gordo tem minha assinatura!!!!

DRA HORTENCIA – O garoto gordo e todos os seus fãs, não?

MARGARIDA – nÃAAAOOOO!!!!!!!!!!!! É Claro que não!!!! Você é surda??? É burra???? É louca???? Você não pode ser louca!!! Voc ê é a psiquiatra e a louca aqui sou eu, combinado? Combinado????

DRA HORTENCIA  - Como você achar melhor.

MARGARIDA – Eu tenho um carimbo! Eu perdi meu carimbo!!!!

DONA BEGONIA – Ele foi embora e nunca mais voltou.

LIS - Ah... o amor...

TULIPA (em tom adocicado)– Ah, o amor? Os homens são todos uns bostas de elefante com cabeça de verme de porco, isso não é nenhuma novidade.

MARGARIDA – Eu vou matar esse gordo!!!

TULIPA – Eu vou matar essas plantas!!!

DRA HORTENCIA – É como diz o meu tão estimado Nietzsche: Na vingança e no amor, as mulheres são bem mais bárbaras que os homens.

PÄRA A MUSICA QUANDO ELAS SENTAM E JOJO TERMINA DE CRUZAR A PERNA

DRA HORTÊNCIA– E como é o carimbo?

MARGARIDA– Por que é que você tá querendo saber?

DRA HORTÊNCIA – Porque eu faço parte do complô conspiratório que quer acabar com a sua vida.

MARGARIDA – Está vendo, doutora! Eu não sou louca. Você também acha que existe o complô!

DOUTORA HORTÊNCIA – Você vai contar o que houve?

MARGARIDA - Eu  tava comendo uma salada... Aí ele chegou e pediu pra tirar uma foto comigo. Ele era baixinho, gordinho, falou que gostava muito de mim. Ele falou... Ele falou... Ele disse que um dia me viu saindo da emissora e fez de tudo pra tirar uma foto comigo e não conseguiu e aí... aí ele me seguiu e descobriu onde eu moro e aí agors ele estava ali, no meu restaurante predileto e... e chegou assim...  de supetão e eu assinei. Ele parece suspeito (ENTRA MUSICA DRAMA) ... eu não sei... ele pegou minha assinatura, eu nunca dei minha assinatura pra ninguém... Ele é a primeira pessoa pra quem eu dei minha assinatura!!! Ele é a única pessoa nesse universo que tem a assinatura Margarida Flores- (SAI MUSICA DRAMA)!!! Ninguém.... mais ninguém... Ninguém mais tem... Eu tava sem meu carimbo na bolsa!!! Meu carimbo de autórgrafo!!!  Eu perdi meu carimbo!!!

DELEGADO – E o que você fez?

MARGARIDA – Eu soquei o garçom, acabei com tudo, chutei o saco do segurança, eu dei uma voadora no metri eu faço aula de muay tai, sabe, tá na moda!!!. Devem ter fotografado tudo, aqueles papparazzis safados. Eu tava sem meu disfarce, eu não sei como eles me acharam... Vai tudo pra mídia, pra internet!!!! Ninguém me conhece sem disfarce!!! São mihões de paparazzis, milhões, eu não aguento mais isso!!! O Purê de batata...  Eu taquei o purê cara da menina do caixa!!! Ela queria cobrar minha conta... Eu peguei  o puré do buffet e taquei na cara dela!!!! A cara dela toda suja de purê!!! E aquele gordinho baixinho com a minha assinatura, safado!!! Gordo traumatizado!!! Deve ter se entopido de purê!!!! As pessoas na mídia não podem me ver!!!  Não podem!!!! A minha assinatura ninguém pode ter!!! Eu preciso achar meu pai!!! Eu ando com essa maquete o tempo todo!!! A maquete do Edifício Margarida!!!  Eu preciso achar meu pai!!! Ele tá em algum lugar sem coragem de me achar mas eu preciso achar ele!!! Eu acabei com o restaurante.

HORTÊNCIA – Que restaurante?

MARGARIDA – O restaurante que  eu tava quando garoto gordo me pediu o... Você tá ouvindo alguma coisa do que eu tô dizendo? Será que eu vou ter que repetir tudo de novo?

HORTÊNCIA– Como você achar melhor.

MARGARIDA – Então posso começar de novo?
MARGARIDA – Tudo começa com essa maquete. Reconhece? Essa é a maquete do edifício Margarida.

DRA HORTÊNCIA – E porque é que você tem a maquete desse prédio? E qual a relação do seu pai com isso?

MARGARIDA – Peraí! Como é que você sabe que meu pai tem algo a ver com isso.

DRA HORTÊNCIA – Você é mulher!

MARGARIDA – E daí?

DRA HORTÊNCIA –Não precisa ser especialista em nada pra saber que o problema de toda mulher é homem e sempre  começa pelo pai.

MARGARIDA - Há quanto tempo você mora aqui nesse prédio?

DRA HORTÊNCIA – Quem faz as perguntas aqui sou eu.  Quem te indicou meu tratamento psicanalítico?

MARGARIDA – Eu não sabia que você era terapeuta até entrar por essa porta.

DRA HORTÊNCIA – Então o que você está fazendo aqui? Você não precisa de tratamento  psicanalítico?

MARGARIDA – Eu preciso descobrir coisas sobre mim e talvez você possa me ajudar.

DRA HORTÊNCIA – Quem é você, afinal?

MARGARIDA – Margarida.

DRA HORTENCIA – Não era Violeta?

MARGARIDA – Eu menti.

DRA HORTENCIA – Você é louca?

MARGARIDA – Se eu for, estou no lugar certo.  Ou você não é psicóloga e psiquiatra como dizem suas porções de certificados espalhados pelas paredes?

DRA HORTENCIA – O que é que você quer de mim? – (musica VULEVO AL SUR)


DEFINIÇAO DE MULHER + DANÇA
Mulher: Ser humano do sexo feminino que atingiu a idade adulta. Segundo Freud, a mulher estará sempre em busca do falo que não tem por nascimento e daquele que não pode possuir por casamento: o do pai. De acordo com Lacan, a mulher é um ser faltante. E conforme define o efeito Silvia Plath, escritoras mulheres, por exemplo, tem grande tendência a desenvolver debilidade mental.

SAI VULEVO AL SUR - ESPERA TERMINAR A DANÇA E CONTA 3 SEGUNDOS E ENTÃO TIRA A MÚSICA


CENA 02 -  MARGARIDA E BEGÔNIA

MARGARIDA – Boa noite queridas, maravilhosas, fantásticas guerreiras espectadoras (musica MARGARIDA 00:12) Margarida (diminui volume logo depois do Margarida...). Estamos aqui em mais uma madrugada,  com o Vozes Femininas!!!  Aqui nós estamos unidas e de mulher pra mulher somos ouvidas  em nossas Vozes Veladas Veludosas Vozes(MARGARIDA 00:04). O que nós vamos ver  é a história de nossa querida amiga, a Dona Begônia. Você quer  falar alguma coisa pra gente, Dona Begônia? Fale o que quiser. Algum sentimento profundo que queira dividir com a gente?

DONA BEGONIA – Eu... Eu tô a procura desse homem.

MARGARIDA – Todas estamos, querida.

DONA BEGONIA –Não, mas não é qualquer homem. O meu é específico!

MARGARIDA – Ah! Já sei, você tá atrás de um cara lindo, sensível, charmoso, inteligente, cheiroso, bom de cama e rico!

DONA BEGONIA – Não. Na verdade ele é feio, pobre e insensível. É até meio ignorante.

MARGARIDA – Mas porque cargas d`água uma mulher tão... assim como você está querendo com um cara desses?

DONA BEGONIA – Eu to grávida.

MARGARIDA – Mas, menina, golpe da barriga não se dá em homem feio insensível, pobre e ignorante, não!!! Sua mãe nunca te ensinou isso? Além de todo prejuízo você ainda corre o risco do bebê nascer uma aberração de feiúra... Faz isso, não... Esquece esse homem, Dona Crica, esquece esse homem. O problema agora é esse negócio que você tá carregando aí. Mas nem tem barriga ainda, pra tudo dá-se um jeito.

DONA BEGONIA – Mas você não vai nem me deixar  o meu drama?

MARGARIDA – Tá precisando desabafar, não é? Então, cara espectadora,  nós vamos ouvir o drama da Dona Crica. Este é um programa feito de mulher para mulher.  Aqui nós estamos unidas!  Conte, Dona Crica, o que é que te assola a alma? Quem foi o homem que te maltratou?

DONA BEGONIA – Não, ele não maltratou, não.

MARGARIDA – Ah! Não? Mentira? Não era homem e você não tá querendo falar. Era uma mulher!

DONA BEGONIA – Não, que isso! É homem mesmo!

MARGARIDA – Pode se abrir, Dona Begônia, aqui no nosso programa nós aceitamos mulheres de todos os tipos. E nós também amamos as lésbicas. Não amamos gente? Nós amamos sim! Cadê as lésbica? Vamos lá! Lésbicas! Lésbicas! Lésbicas!

MARGARIDETES - Lésbicas! Lésbicas! Lésbicas! Lésbicas! Lésbicas! Lésbicas! Lálálálálálálálálá

DONA BEGONIA – Olha, eu não tenho nada contra as lésbicas, mas o meu caso é com homem mesmo!

MARGARIDA – Ooooolha Dona Begonia... Certeza?

DONA BEGONIA – Certeza

MARGARIDA – Certeza mesmo, Dona Begônia?

DONA BEGONIA – Certeza mesmo.

MARGARIDA – Absoluta?

DONA BEGONIA – Vamos fazer assim? Eu começo a contar, você houve a minha história e aí você mesma me diz? Que tal? Hen?

MARGARIDA – Está ótimo. Então agora se prepare, espectadora, preparem os seus corações porque a nossa querida amiga, a Dona Crica, vai contar a história dessa pessoa que ela diz que não a maltratou.

DONA BEGONIA – Não, ele não me maltratou, não, ele só me abandonou. Foi  comprar cigarro e sumiu. Não voltou.

MARGARIDA – Não voltou?

DONA BEGONIA – Não.

MARGARIDA – Sumiu?

DONA BEGONIA – Evaporou.

MARGARIDA – Mas como é que você sabe que ele não foi sequestrado, vendido ou está morto? Ele pode estar morto? Talvez nós tenhamos uma vúva aqui no palco do programa.

DONA BEGONIA – Olha, se ele tivesse morrido eu até preferia. Antes vúva do que abandonada.

MARGARIDA – É verdade.

DONA BEGONIA – Mas eu sei que ele não morreu. Tenho certeza.

MARGARIDA – Hum... Dona Begônia A senhora  fez alguma merda.

DONA BEGONIA – Posso contar?

MARGARIDA – Sim. Sim! NÓS vamos ouvir a história desta mulher abandonada, mas logo após os comerciais. Aqui,  no Vozes Femininas, nós falamos de mulher para mulher. Aqui, nós escutamos as vozes veladas veludosas vozes.

ENTRA MÚSICA MARGARIDA 00:04 e DEIXA ROLAR DIRETO AL BOWLY EM VOLUME ALTO E DIMINUI  BASTANTE VOLUME QUANDO ELA SE POSICIONA NA CADEIRA – SOM DE FUNDO BEM BAIXO)


CENA 03 – BEGÔNIA E O HOMEM QUE A ABANDONOU
DONA BEGONIA  - Hoje, exatamente hoje faz 7 anos. Eu tava na sala da nossa casa que era linda, com uma decoração rústica e simples pra que elenão sentisse a diferença drástica de cultura e classes. Eu deixei a minha casa ter o ar proletário dele porque ele ia ficar e tinha que ser pra frente. Eu expulsei minha vida de casa e coloquei ele. Naquele dia eu tava arrumando a casa, eu dispensei a faxineira , a passadeira e a cozinheira. Tudo pra ele. Eu estava tirando o pó da casa. Foi quando eu levantei o tapete que ele passou por trás de mim e pegou um dinheiro dentro da minha carteira. Até aí, nada de diferente.  Estranho foi quando ele hesitou depois disso, olhou pra trás e colocou algo parecido com um papel dentro da cômoda. SAI MÚSICA (AÇÃO) O tempo suspendeu endurecido ali, pesado e eu senti como se um caminhão de areia começasse a escorrer pelas minhas costas. Ele fechou a gaveta e saiu em direção a porta.

MARIDO VAI EM DIREÇÃO A PORTA.  DONA BEGÔNIAO ALCANÇA ABRAÇANDO POR TRÁS.
 (VOLTA MÚSICA AL BOWLY) ELA COMEÇA A DANÇAR  E A CANTAROLAR A MELODIA DA MÚSICA, AINDA O ABRAÇANDO POR TRÁS.
DONA BEGONIA - Você lembra?

DOITORA HOETÊNCIA – Onde vocês estavam?

DONA BEGONIA – Eu tava naquele posto de gasolina, no meio do nada... Pneu furou. Aí você se ofereceu pra trocar, você lembra disso? Tava cheio de graxa, tinha graxa em toda parte do corpo quase (ri). Aí você trocou com uma facilidade (quase um suspiro de adimiração)... Acho que isso vem no DNA dos homens, né? Trocar, pneu? Aí essa música tocou no radio do carro... Você comentou que gostava da música. E de repente ali uma primeira coisa em comum entre a gente. Dança comigo? Dança com mesmo desejo daquele dia? Eu sei que você lembra. Dança comigo? Dança comigo? Dança comigo, dança! Dança, dança, dança!!! Pelo amor de Deus!!! Dançaz comigo!!! Dança comigo!!!!  Dança comigoooo!!!!! Dançaaaaaa!!!!!

ELE VIRA DE FRENTE PRA ELA, PEGANDO-A FORTE PELOS OMBROS E PELO ROSTO.

DONA BEGONIA – Dança comigo, dança? Dança comigo? Dança comigo, dança? Dança? Dança comigo? Dança, dança, dança, dança, dança? (ela abraça ele) Dança comigo? Dança comigo, dança! Dança, dança!!!! E os nossos filhos? A natalia de cabelo enroladinho e o felipe magrinho, hein? Me come!  Diz que você ainda me ama como você me ama. Eu sei que você não vai só comprar cigarro! (ele sai) E a Natália e o Felipe? A maria chiquinha da natália, o cabelinho raspado do felipe, o short azul do felipe, abaixo do joelho do felipe e o bonezinho que ele usa de lado assim, por causa do cabelinho raspado, tem a roupa dele toda, a bola que ele joga, o skate que ele ganhou de aniversário?

DRA HORTENCIA - Quem são natalia e Felipe?

DONA BEGONIA - Os filhos que a gente vai ter! Não quer dançar, então me come. Me come.Me come? Me come?  Me come?  (Alexandre tenta sair, ela prende) Me come? Me come? Como é que você quer me comer? Onde? Na mesa da cozinha? No banheiro? A gente nunca trepou na mesa da cozinha! Na porta já, mas na mesa não!!! Maldito cigarro!!!! A Natalia gosta de rock, sabia? Que é? Você não quer na mesa? Vamo pra porta da cozinha? Vamos? ELA SE ESFREGA NELE Hummm... Heinnnn Ou voc6e quer ir pra sala, pro quarto, pro banheiro? Pra janela? Você tem outra? Ela é mais nova que eu? É mais magra? É mais inteligente, por acaso? Olha aqui! Quer comprar cigarro? Vai comprar teu cigarro, tô te esperando em 5 minutos!!! SAI MÚSICA AL BOWLY

PROGRAMA VOZES FEMININAS
MARGARIDETES – Lálálálálálálálálálálálálálálálálálálálálálálá
MARGARIDA (para o público) – E vocês? Alguém tem uma história pra contar? Ah! Tem sim, vai, gente! Nenhuma de vocês fez alguma coisa bem patética como a Dona Begônia  quando estava apaixonada?
Pra fechar o bloco eu vou chamar ao palco uma voz veludoza voz ma-ra- vi-lho-sa que voz, que está decolando na sua carreira como cantora e sendo lançada de mulher pra mulher aqui no Vozes Femininas!!! Venha Tulipa do Rosário!

MÚSICA FERA FERIDA


CENA PORTARIA 04– PORTARIA - DONA CAMÉLIA E MARGARIDA

DONA CAMÉLIA – Ops! OOOOuuuuu !!!! Meninaaaaa!!!!! Já sei de onde eu te conheço!

MARGARIDA – Eu morei aqui quando eu era...

DONA CAMÉLIA – Morou não.

MARGARIDA – Morei sim!

DONA CAMÉLIA – Morou não!

MARGARIDA – Morei!

DONA CAMÉLIA – Eu lembro de você da televisão! Eu adoro seu programa Vozes Ferozes, não é isso?

MARGARIDA – É... Pois é, Dona...

DONA CAMÉLIA – Camélia. Dona Camélia!

MARGARIDA – Pois é, mas fala baixo, porque... sabe como é... pode ter gente filmando tudo isso e...

DONA CAMÉLIA- Sim, claro. A gente tem que ter cuidado, né?

MARGARIDA – É, muito cuidado.

DONA CAMÉLIA (sussurando) – Mas será que você pode só me dar um autógrafo, rapidinho? É que eu adoro...

MARGARIDA – Claro... Dou sim!

MARGARIDA CARIMBA

DONA CAMÉLIA -  Que isso?

MARGARIDA – Meu autógrafo.

DONA CAMÉLIA – Isso não é um autógrafo.

MARGARIDA – É sim. É o meu autógrafo! Uma margarida, você não está vendo? Uma linda margarida!

DONA CAMÉLIA – Ah! Sim... Uma margarida! Que linda! Mas cadê a assinatura?

MARGARIDA – Não tem assinatura.

DONA CAMÉLIA – Autógrafo sem assinatura?

MARGARIDA – É, eu não assino. É meu diferencial. Só eu tenho um carimbo.

DONA CAMÉLIA – Hummm... Diferencial... Interessante.

MARGARIDA – Gostou? Que mais um? Posso carimbar mais, se quiser? Várias carimbadas?

DONA CAMÉLIA – Várias carimbadas, é?

MARGARIDA – É! Várias carimbadas!

DONA CAMÉLIA - Não... Acho que não precisa, né?

MARGARIDA – Dona Camélia, você...

DONA CAMÉLIA – Como é que você sabe meu nome?

MARGARIDA – Ué, nós somos amigas, Dona Camélia!

DONA CAMÉLIA – Amigas?

MARGARIDA – Amigas. Íntimas.

DONA CAMÉLIA – Íntimas é?

MARDARIDA – Muito.

DONA CAMÉLIA – Muito íntimas? E desde quando amiga muito íntima chama a outra de Dona?

MARGARIDA – Respeito, Dona Camélia. Muito respeito. Esse é o segredo da fórmula do sucesso de profundas e duradouras relações.

DONA CAMÉLIA – Respeito, né?

MARGARIDA – É.

DONA CAMÉLIA – Você tem razão.

MARGARIDA - Mas sabe, Dona Camélia, nesse tempo todo, tem uma coisa, uma coisa boba, assim.... que... que eu nunca te perguntei, mas me ocorreu, assim, agora, eu nem sei porque!

DONA CAmÉLIA – Pergunta, minha filha! Pergunta. Pode perguntar. Pergunta o que você quiser.

MARGARIDA – O que eu quiser?

DONA CAMÉLIA – Claro, ué? A gente não tem isso...Cerimônia comigo?

MARGARIDA – Nem é nada importante... Uma bobagem apenas... Coisa... Coisa boba mesmo.  Nada... nada demais, assim... é só uma curisosidade, nada que vá mudar a vida de ninguém, muito menos a minha, é só porque agora, assim, não sei, não sei porque agora isso me veio assim na cabeça de repente e eu acho que as coisas quando vem assim de repente na cabeça da gente a gente tem que perguntar, sabe, porque se a coisa vem é porque deve ter um motivo e por mais bobo que seja o motivo e a coisa, sei lá... não é mesmo nada demais, coisa corriqueira, mas eu acho que...

DONA CAMÉLIA – Desembucha, mulher!

MARGARIDA – Você conheceu o dono desse prédio?

DONA CAMÉLIA – Dono do prédio?

MARGARIDA – É, dono.

DONA CAMÉLIA – Síndico?

MARGARIDA – Não, dono. Esse prédio tem um dono.

DONA CAmÉLIA – Um dono só? Gente, quando os moradores souberem disso... isso vai dar confusão...

MARGARIDA – Não... Ele foi quem construiu esse prédio. Ele que deu o nome do prédio de Margarida.

DONA CAMÉLIA – Ele é o dono ou ele construiu?

MARGARIDA – Os dois, ele tinha muitos apartamentos, eu acho que talvez ele tenha ido vendendo ou quem sabe ele deu pra familiares... Ele mora aqui?

DONA CAMÉLIA – Quem?

MARGARIDA – O dono.

DONA CAMÉLIA – Que dono?

MARGARIDA – Do prédio?

DONA CAMÉLIA – Que prédio?
MARGARIDA – O dono desse prédio, Dona Camélia! Do edifício Margarida. Ele mora aqui?

DONA CAMÉLIA – Olha, se mora, eu não sei não... como que ele é?

MARGARIDA – Eu também não sei, eu só sei que...

DONA CAMÉLIA  - Mas vem cá?Por que é que você tá querendo saber isso?

MARGARIDA – Ih! Dona Camélia! Tá vendo? É tão bom conversar com você que eu acabo até perdendo a hora! Tenho que subir pra minha consulta com a Dona Hortência! Depois a gente conversa melhor!

DONA CAMÉLIA – Bonita essa menina... Conheço ela de algum lugar... ( ENTRA MIMIMAL 8)

05 - CENA LIS E HORTENCIA

LIS  - “E o céu estava todo ali
só pra ela
e ela estava toda ali
só pro céu
E a vida, tão só que era
Agradeceu
Só por existir”
(SAI MÚSICA MIMINAL 8)

Não é lindo?

HORTÊNCIA  - Lindo. Interfonei pro seu apartamento agora mesmo, mas chamou e ninguém atendeu.

LIS – Então, eu estava no terraço plantando uma muda. O jardim tá cada dia mais florido. Você já viu que linda a plantação de girassóis que a dona Camélia plantou?

HORTÊNCIA – Camélia? Eu não sou uma especialista em flores, na verdade eu não entendo nada de planta. Eu pesquiso gente.

LIS – Dona Camélia, a zeladora.  Eu já vi a Dona Camélia aqui no seu consultório. (curto silêncio). Mais de uma vez. (curto silêncio)

HORTÊNCIA – uhum.
LIS – não é bonito o poema? Eu estava lá no jardim e comecei a olhar pro céu e de repente ele tava tão azul e tão grande e tão imenso e infinito e era como se eu mergulhasse nele ou se ele me engolisse, mas com amor... E essas palavras elas simplesmente brotaram na minha cabeça como botão de flor. E... E me deu uma coisa... Uma coisa bonita e louca, que e eu comecei então a dançar. A dançar pro céu... E a cantar pro céu... E a ser o céu... Eu e o céu  um par ou nem isso, um só!

HORTÊNCIA – Que coisa mais indígena!

LIS – Talvez! Os índios são tão abraço. Abraço ao mundo... não são?

HORTÊNCIA – Uhum...

LIS – E foi depois que eu vi  aquele céu grande e imenso eu entendi tudo. E foi isso que eu vim aqui falar com você.

HORTÊNCIA – Descobriu a origem do universo! Não viemos do big bang, somos todos um pedacinho do céu?

LIS – É quase isso mas não foi isso que eu vim falar com...

HORTÊNCIA – Não faz muita diferença se a gente veio do céu, da terra, do sol, do húmus.  O que acontece, princesinha, deixa eu te explicar: Você acorda. Aí depois você dorme. Aí depois você acorda. Aí depois você dorme. Aí depois você acorda de novo. E depois você dorme de novo. E depois a mesma coisa até você dormir e não acordar mais. Só que enquanto você tiver que acordar, tem que arrumar alguma coisa pra botar na cabeça entre a hora que você acorda e a que dorme, só pra dar uma distraída. E eu tô tentando me distrair com uma coisa muito importante que é o meu trabalho. E você está me distraindo com as suas ditrações floridas e solares. E não é que elas não sejam importantes, mas agora...

LIS – Desculpa, tia Hortência! Eu não queria te atrapalhar.

HORTÊNCIA – Eu já disse pra não me chamar de tia.
   
LIS – Mas  porque?

HORTENCIA – Porque meu nome não é Tia Hortência,é só Hortência. Eu tenho a certidão aqui você quer ver?

LIS –E como você não é minha mãe, mas é como se fosse... evocê é mais velha..

HORTÊNCIA – Meu Deus, mais velha é tia? Além do que, Lis, querida. Eu não sou como se fosse sua mãe. Eu sou como se fosse sua... mecenas. É isso. Eu pago seu apartamento, que é  um luxo, diga-se de passagem, sua formação educacional, a manutenção da sua saúde física e mental, compro da sua escova de cabelo ao seu absorvente.Você tá precisando de mais alguma coisa? É isso? Algum tratamento estético? Manthus? Uma modeladora? Massagem modeladora é ótimo pra tirar as gordurinhas localizadas. Lipo você não precisa, né? Pode até dar uma engordadinha que você é meio minguada.

LIS – Não... não é isso... é que vendo aquele céu todo...

HORTENCIA  – É tão engraçado... Você não conheceu os seus pais, mas às vezes tem umas coisas que você fala que...

LIS – Você quer falar dos meus pais?

HORTENCIA – Não, pode falar do céu.

LIS – Minha mãe gostava do céu?

HORTÊNCIA – Não, a sua mãe está no céu. Eu acho. É o que dizem, né? Que quem morre vai pro céu.  Eeu acho que você deveria acreditar nisso.  Não? Ou você prefere acreditar que sua mãe te abandounou e por isso agora está no inferno? Aí você vai ter que começar a olhar pro chão.

LIS – É... eu não acho que...

HORTÊNCIA - E eu não conheci seus pais, já te disse. 

LIS – As vezes eu sinto como se ela estivesse muito muito perto de mim.

HORTÊNCIA – Ih... (bate na madeira) Assombração, não, menina? Dançar com céu tudo bem, mas não vai começar a alucinar a essa altura do campeonato, né? Vou ter que te medicar? Conta do céu que tava menos  delirante o negócio.

LIS – Eu tava olhando pra todo aquele céu e e de repente  eu me dei conta que...

HORTÊNCIA – Que você é uma borboleta!

LIS – Que o apartamento que você me deu é mesmo lindo e imenso,  que nem o céu, mas eu sou mesmo minguada e acho que não preciso de um lugar tão grande, eu fico sozinha lá...

HORTÊNCIA – Não! Você não tá sozinha! EU te dei dois cachorros e três periquitos!

LIS – Eu sei... eu sou muito muito muito grata! Eu adoro o Flofi e o Pimpão e todos os periquitos, mas eu, eu gosto tanto da sua presença...

HORTÊNCIA – Você não acha que você fica muito tempo sem fazer nada? Você tem ido ao ballet?

LIS –E eu sei que você tem seu consultório aqui e que fica o tempo todo trabalhando ou lendo e fazendo as suas pesquisas e não tem muito tempo pra conversar comigo, mas... É que eu gosto de ficar perto de você. Me faz bem..  será que eu não poderia, de repente... voltar pra cá?

HORTÊNCIA – Voltar pra cá?

LIS – É...

HORTÊNCIA – Você mora cinco andares acima! Sua vista é melhor do que a minha!

LIS – Eu sei, desculpa se eu tô parecendo ingrata, mas... eu prometo não te atrapalhar, eu... você pode pensar?

HORTÊNCIA – Hum... E quando você está querendo...

LIS – Quando você deixar, quando você disser que pode, eu venho (com animação, alegria pueril)!

HORTÊNCIA – Me dá um tempo pra eu ver como vai ficar essa situação.

LIS – Um tempo? Quanto tempo?

HORTÊNCIA – Não sei, um tempo, ué! A gente vai se falando.

LIS – Se você não conheceu a minha mãe, como você sabe que ela morreu?

HORTENCIA - Pára com esse drama clichê. Você pode ser mais interessantes que isso.

LIS – É que eu gosto de conversar com você...

HORTÊNCIA – Acho que hoje a gente já conversou bastante, não acha?

LIS – Você  sabe o que eu  tava pensando... sabe qual o contrário de morte?

HORTÊNCIA – O contrário da morte seria simplesmente vida. 

LIS – Não é não.

HORTÊNCIA – Não é não? E você quer me explicar.

LIS – Aham! É nascimento!

HORTENCIA – Hum... É.
.
LIS – Você sabe que eu conversei já com algumas mulheres e...

HORTÊNCIA – Ah! Conversou?

LIS – Conversei. Eu as vezes converso com as suas pacientes quando elas saem daqui.

HORTÊNCIA – Com as minhas pacientes?

LIS – É. Por isso que eu vi a Dona Camélia. Aí, muitas delas me disseram, que o momento mais feliz da vida delas, foi o nasciemnto dos filhos. Isso é amor, não é?

HORTÊNCIA – É. Amor próprio semi patológico. Narcisismo extremo. A mulher não se contém de euforia por saber que ela está trazendo ao mundo uma irremediável parte de si.

LIS – Eu acho que a mulher fica feliz porque está colocando no mundo a vida que veio de um ato intenso de amor.

HORTENCIA – Lis, você é tão romântica.

LIS – Você acha?

HORTÊNCIA – Acho.

LIS – Por que?

HORTENCIA – Ato intenso de amor?

LIS – Lindo, não é? Uma vida que vem do seu amor por alguém!

HORTENCIA – Não existe amor por alguém. A gente ama a gente mesmo quando está com alguém. Assim, sendo, meu bem, o homem, pra uma mulher, nunca é um fim, é um meio. Seja pra parir um filho, seja pra ter um amor.

LIS – Eu acho que o amor é o que nos conduz até a morte. Pensa bem. Você veio da onde?

HORTENCIA – Do saco do meu pai.

LIS – Mas antes de você nascer?  Você tava morta.

HORTENCIA – Não, Lis... Eu não tinha nem nascido ainda...

LIS – Ah, mas depois que você nasceu...

HORTÊNCIA – Ahn?

LIS – Ah! Pra mim, o estímulo pra vida é o amor!

HORTÊNCIA – Isso eu já sei!       

LIS – Por isso que eu gosto tanto de você (abraça)! Você não sente saudade de se apaixonar de novo?

HORTÊNCIA – Lis, foi ótimo conversar com você e saber mais sobre o céu, o amor e a morte, mas eu preciso voltar a trabalhar. Eu vou pensar no que você me propôs sobre voltar. Fecha a porta quando sair.    

06 - CENA TULIPA E DOUTORA HORTÊNCIA PSIQUIATRA 01         

TULIPA ESTÁ CHORANDO            

TULIPA – Horrível. Infarto fulminante. Horrível. Minha mãe... Desculpa... A minha mãe tá morta... Como a vida é louca, né? Num minuto a gente tá batendo boca com a pessoa, desejando que ela morra, e no minuto seguinte ela morre, assim, na sua frente...  como alguém simplesmente morre? De repente pára de existir e o que era uma mãe vira só uma lembrança. Eu nem sei se eu tô assim por ela, mas... uma mãe deprimente ainda é uma mãe. É como se  a única coisa real da minha vida me fosse subitamente arrancada, sabe?     

DOUTORA HORTÊNCIA DÁ UM LENÇO KLINEX PARA TULIPA       

DOUTURA HORTÊNCIA - Eu sinto muito. A sua mãe pareceu tão bem no dia em que ela veio... Uma senhora bastante vigorosa, distinta, muito bonita.               

TULIPA GARGALHA        
TULIPA – Ai... É por isso que eu não acredito em vocês psiquiatras. A gente pode vir aqui e dizer qualquer coisa pra vocês que... enfim..
DOUTURA HORTÊNCIA -  mas você tem razão... a morte assusta mesmo quando a gente esquece que uma hora tudo acaba.      

TULIPA – Se eu disser pra você que eu que há meses  eu não tenho visto o menor sentido na vida, ando dormindo muito, não tomo banho há três dias, que a vida é uma grande merda de tempo chata e vazia  e que tem que ter muita criatividade pra preencher tudo isso, você...

DOUTORA HORTÊNCIA – Eu vou dizer que você tem toda razão.

TULIPA – Jura? Nossa, que depressiva!  Eu achei que dizendo isso, você fosse dizer que eu tenho depressão profunda e me receitar um remedinho desses que deixa a gente super radiante e de bem com a vida.

DOUTORA HORTÊNCIA – Você veio aqui atrás de uma droga que te dê um barato porque a vida sem isso é sem graça? O sexo promíscuo e o álcool excessivo já não são suficientes pra tornar a sua vida ilusioramente divertida?

TULIPA – De onde você tirou isso? Que álcool?

DOUTORA HORTÊNCIA – Tulipa, todo mundo nesse prédio sabe que você vive chegando bêbada e cada dia com um cara mais estranho que o outro.

TULIPA – Tá vendo? A vida das pessoas é tão monótona que elas ficam prestando atenção em mim. Que coisa triste, né?

DOUTORA  HORTÊNCIA –  Na realidade, ninguém precisaria me falar nada. Seu dente está roxo de vinho.

TULIPA – Que isso!Eu tomei um açaí com morango e granola antes de vir pra cá!

DOUTORA HORTÊNCIA - Seu hálito de álcool está chegando aqui.

TULIPA – Olha só, vamo acabar logo com isso? Eu pago a consulta e vou embora.

DOUTORA HORTÊNCIA – Como você achar melhor.

TULIPA – Que isso? Que espécie de psicóloga psiquiatra é você? Você nem sabe se eu tô com algum problema!
                   
DOUTORA HORTÊNCIA – Você quer falar sobre o seu pai?

TULIPA – Não.

DOUTORA HORTÊNCIA – Olha... temos uma questão aí?

TULIPA – Não. Mas olha só, eu sinto que eu tenho algumas patologias. E que eu ultrapasso o nível da neurose. Só não sei bem se eu sou psicótica ou se eu sou perversa. Eu já fiz uns testes na internet. Acho que você deveria ir mais a fundo.

DOUTORA HORTÊNCIA
- você se corta?

TULIPA
- Não.

DOUTORA HORTÊNCIA
- com que frequência você se masturba?

TULIPA
– Umas quartorze vezes por semana?

DOUTORA HORTÊNCIA  -
já teve relações com árvore?

TULIPA
- Ahn?

DOUTORA HORTÊNCIA
- Com árvore, pan sexualismo, serguei, gozar esfregando a sua xoxota na árvore?

TULIPA
- Peraí psiquiatra fala palavrão?

DOUTORA HORTÊNCIA -
Xoxota não é palavrão.

TULIPA
- Se nao é entao como vc sabe que eu tava falando da xoxota?

DOUTORA HORTÊNCIA  -
Isso nao vem ao caso. Gozou com a árvore ou não gozou?

TULIPA
- Não...Eu costumo gozar com vários tipos de pau mas nunca gozei com pau brasil.

DOUTORA HORTÊNCIA 
- Com animais?

TULIPA
- Animais?

DOUTORA HORTÊNCIA 
- Animais. Gato, cachorro, cavalo?

TULIPA
- Bom, eu sonhei uma vez que meu cachorro tava lameben...

DOUTORA HORTÊNCIA 
- sonho nao vale. jah matou alguém?

TULIPA
- Não! Mas jah quis.

DOUTORA HORTÊNCIA 
- ah! jah planejou matar?

TULIPA
- A mulher do meu ex, eu ia colocar veneno na bebida dela. Ela era minha professora de canto lírico. É que eu só maquio pra ganhar uma grana enquanto eu não decolo na carreira de cantora.

DOUTORA HORTÊNCIA 
- Entendi você do tipo que nao termina nada do que começa.

TULIPA
- Não!

DOUTORA HORTÊNCIA 
- Não, não, querida, sim!!!

DOUTORA HORTÊNCIA
- Será que você nao começou um relacionamento que não ia dar em nada porque jah sabia que esse relacionamento não iria pra frente? Fracassaria?

TULIPA
  - Ele não ia fracassar!

DOUTORA HORTÊNCIA
- querida, ele já fracassou!

TULIPA
  - quem disse? Quer apostar quanto que ele ainda vai se separar da lambisgóia e vir correndo atrás do peitão dele aqui?!

DOUTORA HORTÊNCIA 
- Fica tranquila, padrão correr atrás do fracasso é mais comum do que você pensa.

TULIPA
  - Comum?

DOUTORA HORTÊNCIA - É. Comum!

  TULIPA
– Voc^e tá me chamando de comum?

DOUTORA HORTÊNCIA 
- entendi, você é dessas que tem problema com o co..

TULIPA
- Eu não sou comum!

DOUTORA HORTÊNCIA  
- bom, de acordo com o protocolo você é comum!

TULIPA
  - eu não sou comum!

DOUTORA HORTÊNCIA 
- ok (...)jah pensou em suicídio?

TULIPA
  - jah! Várias vezes!

DOUTORA HORTÊNCIA
- então, Tulipa, você é comum!

TULIPA
  - Eu não sou comum!!!

DOUTORA HORTÊNCIA
- o que te faz achar que você não é comum?

TULIPA
  - Eu fiz um teste na internet e eu tenho praticamente todoss os tipos de patologia!!! Eu sou DDA, histriônica, bipolar e boderlaine.

DOUTORA HORTÊNCIA
- Ok, acabou nosso tempo.

TULIPA
  - Você é uma irresponsável! Como você vai deixar uma louca, doente, insana, uma quase assassina, semi suicida sair do seu consultório sem receitar nenhum remedinho?

DOUTORA HORTÊNCIA
- Tulipa, você quer saber seu real diagnóstico?

TULIPA
  - quero!

DOUTORA HORTÊNCIA 
- tem certeza?

TULIPA
  - Tenho certeza absoluta. Toda do mundo! Fala logo! Qual eh o meu diagnostico?

DOUTORA HORTÊNCIA 
- Ingênua, mimada e carente.

TULIPA
  - Tá. E quando é a proxima sessao?

DOUTORA HORTÊNCIA
- Não haverá proxima sessão.

TULIPA
– E por que nao haverá proxima sessao? Que é que eu te fiz? É porque meu peito é grande? Tá com inveja?

DOUTORA HORTÊNCIA 
- Menina, segura a tua onda com essa erva porcaria que você fuma, que do meu receituário nao vai sair nenhuma folhinha pra você. Você não precisa de atendimento psiquiatrico. E faz o seguinte... Pede um cafuné pra tua mãe, arruma outro namorado e não aparece mais aqui. Pode ir.

TULIPA ENSAIA IR EMBORA, MAS HESITA E VOLTA

TULIPA - como é que vc sabe que fumo um bagulho?

DOUTORA HORTÊNCIA  - Se você pintar a unha com esmalte escuro, e lavar mais a mão, ajuda. Um perfuminho também não vai mal. Outra coisa, querida, que essa até vovó sabe - quem não tem colírio, mon amour, usa óculos escuros!!!

SAI E VOLTA NOVAMENTE

TULIPA - E se eu disser que eu menti?

DOUTORA HORTÊNCIA  - Tulipa, desculpa te revelar isso assim, mas... mentir é comum.

TULIPA - Não ê isso, víbora! Você quer saber o que é que é, quer? Eu vou te dozer!!! Tá achando que eu sou normalzi ha? Que eu sou comum??? É doutora? Víboraaaaaaa!!!! Tã se achando aí por cima da carne swca só pq tah de crachazinho de doutora e diplominha e certificado de Crisântemo na parede??? Burgueeeeesa!!!! Burguesinha de merda!!!!!

DOUTORA HORTÊNCIA 
- Qual o próximo passo? Quebrar meu consultório? Já fizeram antes. Comum também!

DOUTORA HORTÊNCIA
-Lembra quando você me peguntou se eu já matei alguem?

TULIPA
- Não.

TULIPA –  Pois você perguntou, pode conferir nesse seu questionário padrão de merda.

DOUTORA HORTÊNCIA – É verdade, está aqui. Hum?


TULIPA
- pois entao. Eu matei.

DOUTORA HORTÊNCIA
-é?

TULIPA -É.

DOUTORA HORTÊNCIA 
- Quem?

TULIPA
- Meu ex. Picotei em partes, muitas partes, muitas muitas partes mesmo, coloquei numa mala e joguei num rio.

DOUTORA HORTÊNCIA
- isso é algum tipo de brincadeira?

TULIPA
- Claro que nao. Eu matei!piquei e joguei também!

DOUTORA HORTÊNCIA
- Longe?

TULIPA
- o que?

DOUTORA HORTÊNCIA
- o Rio é longe? Porque você pode ser descoberta.

TULIPA
- na verdade eu nao joguei no rio, foi na lata do lixo...

DOUTORA HORTÊNCIA 
- Garota, eu nao sei onde você leu isso, mas faz o favor de se retirar da minha sala agora e não volta mais aqui.

TULIPA
- Mas eu to te falando que matei, piquei e joguei meu ex namorado na lata do lixo! Sabe que você lembrou a minha mãe? Só que um pouco melhor. Eu volto na semana que vem.

ENTRA MÚSICA DIGA DIGA (enquanto ela abre o painel branco) IMEDIATAMENTE DEPOIS ENTRA VIDEO

07 - CENA ELEVADOR – MARGARIDA E TULIPA

MARGARIDA – Boa tarde.

TULIPA ESTÁ MASCANDO CHICLETE E OUVINDO MÚSICA NO HEAD PHONE

MARGARIDA – Oi!! Boa tarde!!!

TULIPA CANTAROLA MÚSICA “COMO UMA DEUSA”. MARGARIDA CUTUCA TULIPA.

MARGARIDA – Oiiiii!!!! Tudo bem???

TULIPA – Oi? Desculpa! É que eu tô treinando pra um concurso de música, eu sou cantora!  Mas eu maquio também! Sabe como é, a grana da arte mal da pra pagar as minhas calcinhas...
MARGARIDA – Você tem uma voz linda!

TULIPA – Eu também acho! A maquiagem é só um bico enquanto eu não decolo na carreira de cantora. Mas eu também adoro maquiar, eu maquio noivas... Eu tô ensaiando pra cantar no quadro Revelações femininas, o programa da Margarida Flores, sabe? Passa de madrugada, só gente noturna vê. Mas você tem uma cara de norturna... Aliás, dizem que ela que ela mora aqui na rua, né..

JULIANA APERTA O BOTÃO DE EMERGÊNCIA ESCONDIDO

TULIPA- Ih! Parou, ai meu Deus! Será que vai cair?!

MARGARIDA – Calma! A gente aperta o alarme. Você sabe o nome da porteira?

TULIPA – Claustrofobia, eu tenho claustrofobia! Socorro!!! Alguém me tira daqui!!!! Socorro!!!

MARGARIDA -  Calmaaaaa!!!! Calma, menina! Você não tá sozinha, eu tô aqui com você!

TULIPA – Ah! Tudo que eu sempre quis! Morrer no poço do prédio acompanhada de uma vizinha!

MARGARIDA – Não. Eu não moro aqui. Você sabe o nome da porteira?

TULIPA – Jura? Você? Você não mora aqui? Não mora aqui??!!! Socorro!!!! Ela não é porteira, é zeladora!!! Ela tem problema de memória!!! Ela nunca vai saber tirar a gente daqui!!!

MARGARIDA – Calmaaaaa! Fica calma! Canta, canta que acalma!

TULIPA – Acalma?

MARGARIDA – Acalma. E as ondas sonoras vibram e ajudam ao movimento das coisas todas do mundo. Se você cantar pode até ajudar o elevador a andar.

TULIPA COMEÇA A CANTAR “COMO UMA DEUSA”

MARGARIDA – Linda voz!!! Linda!!!

O ELEVADOR VOLTA A ANDAR

MARGARIDA – Ai, alguém chamou!!!!

TULIPA – Eu fiz o elevador andar!!! Graças a Deus!!! Eu fiz!!! Você viu isso?

MARGARIDA – Calma, eu preciso te falar uma coisa antes que a porta desse elevador se abra?

TULIPA (com medo) – Que foi?

MARGARIDA – Eu sou Margarida Flores.

TULIPA – Que? Você? Não... Pára! Mentira! Não é possível... Jura?
MARGARIDA – Juro. Vamo tomar um drink na minha casa que eu te explico tudo.

TULIPA – Mas agora eu... eu não posso! Eu eu to indo maquiar um cadá... Um casal, um casal, eu tô indo maquiar um casal, é um casal de...  de lésbicas.

MARGARIDA – Amanhã às 15h na minha casa!

MARGARIDA SAI DO ELEVADOR E TULIPA FICA , SOM UM SEMBLANTE MEIO ABOBADA

TULIPA – Aham... Tá... Uouuuuu!!! Yes, uhul!!! Vou decolar como cantora!!!! uhuhul!!! (comemora, faz dancinha, canta trecho das poderosas.)
 FIM DO VIDEO – ENTRA MÚSICA MISSÃO IMPOSSÍVEL
09 CENA -  PORTARIA MARGARIDA E DONA CAMÉLIA
MARGARIDA PASSA ENGATINHANDO POR TRÁS DA MESA DA PORTARIA. DONA CAMÉLIA A PERCEBE.

DONA CAMÉLIA – Pois não?

MARGARIDA LEVA UM SUSTO E DONA CAMÉLIA SE ASSUSTA COM O SUSTO DE MARGARIDA (SAI MÚSICA MISSAO IMPOSSIVEL)

MARGARIDA – Ah... Minha tarracha do brinco... caiu no chão... Boa tarde!

DONA CAMÉLIA – Boa tarde. Pra que apartamento a senhora deseja ir?

MARGARIDA – Apartamento? Não...  Na verdade, eu sou a paisagista que veio agora a pouco pra ver o jardim do terraço. Eu acabei de descer...

DONA CAMÉLIA – Paisagista?

MARGARIDA – A senhora não lembra? Eu acabei de passar por aqui mas esqueci de te pergun... a senhora nao é a zelado...

DONA CAMÉLIA – Lembro! Lembro sim, claro que lembro! Eu tava bricando com a senhora.  Que é que a senhora disse?  É que eu tenho a impressão de te conhecer de algum lu..

MARGARIDA – Não . vc nao me conhece nao. É que muita gente me confunde com outras pessoas. Eu devo ter um rosto muito comum.

DONA CAMÉLIA – Eu te conheço!

MARGARIDA – Não!

DONA CAMÉLIA – Conheço sim!

MAGARIDA- não, conhece não!

DONA CAMÉLIA – Como que não conheço? Claro que conheço! Se eu estou dizendo que conheço é porque conheço, oras!

MARGARIDA – Todo lugar que eu vou me dizem que eu pareço com algu...
DONA CAmÉLIA – Você já morou nesse prédio!

MARGARIDA – Morei?

DONA CAMÉLIA – Morou! Claro que morou! Não morou?

MARGARIDA – Morei! Morei! Não morei?  Eu morei! Então, é isso!!! Eu era bem pequena, não? Você deve ter conhecido o meu pai, ele construiu esse...

DONA CAMÉLIA – Qual o seu nome?

MARGARIDA – Margarida.

DONA CAMÉLIA – Não, minha flor, o seu nome.

MARGARIDA – Justamente! A senhora também não acha uma enorme coincidência? Na verdade não é coincidência, é porque o meu pai...

DONA CAMÉLIA – O que?

MARGARIDA – O que o quê?

DONA CAMÉLIA – O que é uma enorme coincidência que não é coincidência?

MARGARIDA – Eu me chamar Margarida e o prédio também! Eu tenho a maquete.

DONA CAMÉLIA – Que prédio? Que maquete?

MARGARIDA – Esse prédio!  Esse prédio foi o meu...  MÚSICA INTERFONE

TOCA O INTERFONE, DONA CAMÉLIA ATENDE

DONA CAMÉLIA (ao interfone) – Oi Dona... Isso! Dona Begônia! Carta? Hum... deixa eu ver... Só conta, mesmo, Dona Begônia. Homem? Chegou também, não. Certeza! Tem é uma moça aqui... Moça, não? Serve não, né? Tá bom, Dona Begônia, se chegar um homem pra senhora, eu aviso!

MARGARIDA – A Dona Begônia é aquela do nono andar, não é isso? A de branco...

DONA CAMÉLIA – branco médico ou branco macumba? uma de cabelo... (gesto de encaracolado)

MARGARIDA – Isso... Encaracolado!

DONA CAMÉLIA – você tá sem paciência?

MARGARIDA – Não...

DONA CAMÉLIA -Branco noiva.

MARGARIDA – Noiva?

DONA CAMÉLIA – É! Noiva! Véu, grinalda...
MARGARIDA - De coque?
DONA CAMÉLIA -coque?
MARGARIDA – É, coque! Bailarina!
DONA CAMÉLIA – Bailarina?  Então não é a Dona Begônia, nao. Deve ser branco medico.
MARGARIDA – Também acho... Ou será que elas se reunem lá pra fazer magia?
DONA CAMÉLIA – Oi?
MARGARIDA - Não... Acho que não... porque vai sempre uma de cada vez... e só ela está de branco.  É branco medica. Qual a especialidade dela?

DONA CAMËLIA – A senhora veio fazer o que aqui mesmo?

MARGARIDA – Shiiii. Cuidado com os seus gestos.

DONA CAMÉLIA – Oi?

MARGARIDA -  Os gestos. Eles falam muito. Nunca te passou pela cabeça que alguém do outro lado da rua pode estar filmando tudo isso? A gente tem que ter cuidado. Você nunca parou pra pensar que tudo pode estar sendo filmado? Cameras por toda parte...
DONA CAMÉLIA - Por todas as partes?
MARGARIDA - É por todas as partes...
DONA CAMÉLIA - Ia ser bom se alguém tivesse minha vida toda filmada... A senhora veio...

MARGARIDA – me consultar com a doutora.

DONA CAMÉLIA – Doutora?

MARGARIDA – A de branco.
DONA CAMÉLIA – Você tem consulta marcada? Qual o seu nome? Vou interfonar pra ela...

MARGARIDA – Não! Eu vim sem avisar... É uma emergência.

DONA CAMÉLIA – Ah... Assim sem avisar eu não tenho autorização pra deixar subir, não.

MARGARIDA – Aquela menina do décimo quarto... não, a do décimo quarto é a mocinha que fica no jardim do terraço, aquela é do... nono, não... Do sétimo. A menina do sétimo andar, uma espevitada que gosta muito de uma noitada e canta... Ela maquia também, não é isso?

DONA CAMÉLIA – Nossa, você sabe de muita coisa, ne?

MARGARIDA – É que no meu tempo livre eu gosto de ficar na janela. 

DONA CAMÉLIA – Na janela?

MARGARIDA – É, eu moro aqui na frente.

DONA CAMÉLIA – Você deve ter muito tempo livre, né? MUSICA INTERFONE

TOCA UM INTERFONE

DONA CAMÉLIA (ao interfone) – Oi Dona... Isso, Dona Hortência. A paciente da senhora já está aqui. Minha consulta? Que consulta, dona Hortência? Não, a minha consulta deve ser mais tarde, porque agora quem tá subindo é a Dona... (faz que pergunta com a cabeça)

MARGARIDA – Violeta.

DONA CAmÉLIA – Violeta. Disse que é emergência.

DONA CAMÉLIA – Desculpe, mas em que apartamento você mora mesmo?
MARGARIDA – Eu... eu vim me consultar com a doutora.

DONA CAMÉLIA – Ô menina, eu estava brincando! Todo mundo aqui sabe que eu sou brincalhona assim. A senhora deve ser paciente nova, com o tempo vai ver que sou brincalhona.  A senhora gostou da consulta? A Doutrora Hortência é muito boa!

MARGARIDA – Na verdade, eu ainda não... Gostei! Adorei! Eu adorei a consulta, mas queria subir de novo porque eu esqueci o meu celular lá em cima...

DONA CAMÉLIA – Pode subir. 903.

MARGARIDA - Obrigada! Muito obrigada. Obrigada viu? Brigada mesmo. Olha aqui pra vc.. (entrega uma margarida e sai) ENTRA MÚSICA DIGA DIGA, ELAS CAMINHAM E PÁRAM DE FRENTE EM POSE DE MODELOS. SAI MÚSICA DIGA DIGA.

16 - CENA TULIPA E MARGARIDA – ROMANCE

ENTRAM RINDO, GARGALHANDO

TULIPA – Gente!!! Se você já me viu várias vezes pelada, então o seu prédio inteiro já deve ter visto! Cadê? Quero ver de onde você me vê!

MARGARIDA – Dali.

TULIPA – Você fica me acompanhando, como se eu fosse uma novela?

MARGARIDA – É, acho que me apaixonei pelo primeiro capítulo.

TULIPA – É sério isso?

MARGARIDA – não! Não! Claro que não! Eu tô brincando! (ri nervosa) É que eu gosto de ficar na janela no meu tempo livre, é isso! Peguei essa mania com a minha avó! Olha só... Mania de vó mesmo... Mora uma mulher com você, né?

TULIPA – É, minha... madrasta!

MARGARIDA – É... mas seu pai...

TULIPA – É... meu pai foi embora e... enfim...

MARGARIDA –  Seu pai era engenheiro?

TULIPA – Engenheiro?

MARGARIDA – É... Não sei, é que... Você tem cara de quem tem pai engenheiro! Brincadeira!!! Acho que bebi muita vodka!

TULIPA – Adoro vodka!

MARGARIDA – Ai! Claro, nem peguei uma bebida pra você, que loucura! Eu sei que você adora beber! É eu sempre te vejo voltando da noitada bêbada!!! Outro dia te vi voltando com um cara... Seu namorado?

TULIPA – Não... Deus me livre! Odeio homem!

MARGARIDA – Odeia homem?

TULIPA – Não! Eu adoro homem, mas eu odeio namorados!

MARGARIDA – Odeia namorados?

TULIPA - Desde que meu último namorado terminou comigo, eu passei odiar namorados.

MARGARIDA – Esse seu namorado era um idiota!

TULIPA – É, todos os seus homens são uns bostas de elefante com cabeça de verme de  porco.

MARGARIDA – Mas como é que seu namorado te deixou?  Você é tão, tão, tão... divertida!

TULIPA – É e você ainda me viu nua, né? Você não achou meu peito lindo?

MARGARIDA – Maravilhoso! Quer dizer, é um seio robusto, farto, quantas mulheres não gostariam de ter esses peitos. E seu namorado, que bobo, é tanto peito que dava pra ele mergulhar aí dentro e se perder, né?

TULIPA – E não é silicone! Quer pegar?

MARGARIDA – Pode?

TULIPA – Pode! 
MARGARIDA – Pode mesmo?

TULIPA – Claro!

MARGARIDA – Jura? (animada)

TULIPA – Por favor! Sem cerimônia! A casa é sua!

MARGARIDA – Minha?

TULIPA – Toda sua! Fica a vontade, pode pegar!

MARGARIDA – Bom, então... então eu vou pegar!

MARGARIDA PEGA NO PEITO DE TULIPA

MARGARIDA – Nossa... Nossa... Hum... É... É gos... bom, um bom peito, né?

TULIPA – Gostou?

MARGARIDA – Adorei!

TULIPA – Volte sempre, a casa é sua!

MARGARIDA – Olha que eu volto hein... (ri nervosa) Tá um calor aqui, né? Acho que foi a vodka!  Mas então, me conta... E você se dá bem  com a sua madrasta?

TULIPA – Madrasta? Que madrasta?

MARGARIDA – A madrasta que mora com você.

TULIPA – É que na verdade minha madrasta é minha mãe.

MARGARIDA – Como assim, ela é sua mãe ou é madrasta?

TULIPA – É mãe.

MARGARIUDA – E porque você disse que é madrasta?

TULIPA – Sei lá, acho que é porque aquela vaca tirou da minha vida o único homem que prestava.

MARGARIDA – O que? Aquela vaca roubou seu namorado?

TULIPA – Não, não... Eu tô falando do meu pai. E eu não vejo ele há tantos tempo  que é as vezes é quase como se ele fosse uma lembrança inventada, sabe?

MARGARIDA – Inventada? Você gosta muito de inventar coisas?

TULIPA –Ai, eu adoro!!! (animada)  Mas meu pai... (romantizando)  meu pai era um cara de verdade... Um cara de verdade mesmo.  Carinhoso, inteligente, esperto, charmoso, divertido, o melhor homem do mundo, um cara especial, sabe? Ele só bebia, batia na minha mãe e desaparecia umas três vezes na semana  porque  minha mãe era muito chata. Aí ele não agüentou e um belo dia foi embora, desapareceu no mundo. E eu quero fazer a mesma coisa.

MARGARIDA – Hum... sei...  sua mãe é bem madrasta mesmo... do tipo infeliz que tinha ciúme de você e infernizava a vida dele?

TULIPA – É! Como é que você sabe?

MARGARIDA – Eu sou medium!

TULIPA – Sério?
MARGARIDA – Sério.

TULIPA – Muito medium, né?

MARGARIDA – Muito. Muito medium.

TULIPA – Nossa... Além de famosa, rica, linda e divertida você  ainda é medium! Nossa...

MARGARIDA – Gostou de mim?

TULIPA –  Demais! Mas eu acho que eu tenho que ir.

MARGARIDA – Calma, a gente ainda nem falou de música.

TULIPA – A gente vai falar de música?

MARGARIDA – Vai.

TULIPA - Jura?

MARGARIDA – Como não falar? Você é música. Mas antes a gente precisa falar sobre uma coisa ainda mais importante.

TULIPA – Nada é mais importante do que a música na minha vida, eu juro! Eu só maquio cadáveres porque...

MARGARIDA – Cadáveres?

TULIPA – É. Cadáveres. Isso muda tudo?
MARGARIDA – Não, imagina! Que isso! Um trabalho como qualquer outro maquiar cadáveres. Se você faz honestamente...

TULIPA – Super, super honestamente! Mas eu só maquio cadáveres porque além de ser um mercado em ascenção, eu acho que o contato com a morte é algo que me faz mais viva, sabe?

MARGARIDA – Viva?

 TULIPA – Não, não é nada disso... é que no fundo eu acho que se meu pai morrer por aí, eu vou acabar maquiando ele...

MARGARIDA – Sério isso?

TULIPA – Não. Na verdade  foi o único trabalho que eu arrumei depois que eu fiz um cursinho básico pra maquiadoras e é forma de eu ganhar algum trocado porque a grana da arte mal dá pra pagar minhas calcinhas  e enquanto eu não decolo na minha carreira como cantora eu preciso juntar esse dinheiro pra poder desaparecer pra bem longe daquela mulher que eu sou obrigada a chamar de mãe, mas eu juro que faço tudo, eu faço aula de canto...

MARGARIDA – É justamente aí que está seu erro.

TULIPA – O que? Você acha que eu não sirvo pra isso?

MARGARIDA – Você é maravilhosa, mas você não pode sair agora de perto da sua mãe.

TULIPA – Como assim?

MARGARIDA – Você precisa encontrar o único homem que prestou na sua vida.
TULIPA – Meu pai?

MARGARIDA – É.

TULIPA – Imagina... Meu pai já sumiu faz tempo... Impossível achar..

MARGARIDA – Nada é impossível. Você esqueceu com quem você está falando? Margarida Flores, meu amor. Esqueceu quantos dilemas profundos Margarida Flores já escavou pra milhares de mulheres nesse país? Na América Latina? Esse programa passa em toda a América Latina. Já parou pra pensar que seu pai está em algum lugar querendo saber do seu paradeiro e não consegue te encontrar?

TULIPA – Você acha?

MARGARIDA – Certeza.

TULIPA – Como é que você pode ter tanta certeza?

MARGARIDA – Eu sou medium.

TULIPA – E você não consegue ver onde ele está?

MARGARIDA – Os canais vibracionais estão fechados para essa informação.

TULIPA – Uma vez a Dona Camélia viu nas cartas que meu pai estava morto. Mas que tinham descendentes dele muito próximos a mim.

MARGARIDA  - Descendentes  muito próximos...

TULIPA – Muito. Muito próximos.

MARGARIDA – Então eles podem estar mais perto do que você... Morto?! Não! Que isso! Seu pai não está morto. Eu sinto que ele não está morto! Essa Dona Camélia é uma desmioladada, meu amor.

TULIPA – Ah... Eu gosto dela...

MARGARIDA – Ela é bem intencionada, coitada, mas não bate bem... Deve ter feito uma leitura errada da carta. Esse povo vê a carta da Morte e já acha que tem alguém morto. Morte é transformação. E olha eu aqui! Eu entrei naquele elevador pra transformar a sua vida. Você vai reencontrar seu pai e eu vou te ajudar a fazer isso. Só que você tem que fazer tudo o que eu mandar, tá?

TULIPA – Tá!

MARGARIDA – O primeiro passo é você estar perto da sua mãe. Eu sei que vai ser um desafio, mas você vai precisar estar mais perto do que nunca dessa mulher pra isso. Ela pode conter reveladoras informações. MÚSICA DIGA DIGA ATÉ ELA SENTAR NA MESA E CONGELAR COM O VINHO NA MÃO

10 - CENA TULIPA E MÃE              

MAE DE TULIPA ESTA ARRUMANDO COISAS NO QUARTO DE TULIPA E TULIPA ESTA BEBENDO UMA GARRAFA DE VINHO NO GARGALO

MAE – Nossa, mas que zona, hein, que voce deixou aqui!

TULIPA – O, mae, eu..

MAE – Nossa, é pé de tenis prum lado outro pé de chinelo pro outro...

TULIPA – Bom.. ‘E o meu quarto, ne? Voce nao tinha.. Que sacola e essa aqui?

MAE (mostrando a mao) – Viu? Creme novo? Comprei pra voce parar de pegar as minhas coisas. Ai de voce, se continuar pegando as minhas coisas, hein?

TULIPA – Que camisola linda... Voce tem isso ha muitos anos, eu... eu lembro... tem um cheiro... Voce  ainda era casada com o papai quando voce tinha isso aqui, nao era? (curto silencio) Nao era? Hein mae? Mae? Posso dormir com ela hoje?

MAE – Que foi, Tulipa?

TULIPA – Posso usar isso aqui só hoje?

MAE – Lógico que não! Pra depois você deixar jogada? Amarfanhada com roupa enrolada, suja? Hum! Te conheço.  Never, dahling, never! Quer ser porca, seja, mas com as minhas coisas, não!

TULIPA – To te pedindo so hoje, voce pode me emprestar?

MAE – Tulipa, por favor!

TULIPA  DERRUBA CDS

MAE – Olha aí! Vai quebrar!

TULIPA – Mãe, esses cds são meus.

MAE -  E daí? Porque são seus tem que quebrar?

TULIPA  SENTA  COM AR UM POUCO MINGUADO. A MAE LEVANTA E COMEÇA A BURRIFAR O AMBIENTE COM  UM AROMATIZANTE. TULIPA FICA EM SILÊNCIO DURANTE A AÇÃO DA MÃE. A MAE SENTA.

TULIPA – Eu não vou  mais me mudar daqui.

MAE – Tulipa, você viu meu outro saco de sementes de girassóis? Eu prometi dar até amanhã pra Dona Camélia plantar.Nossa, não sei como consegue viver no meio dessa bagunça... Deve ter caído no meio dessa zona. Procura nessa bolsa aqui pra mim!

TULIPA  TENTA PROCURAR MAS DESISTE E NUM ROMPANTE JOGA A BOLSA

TULIPA – Foda-se essa semente!

MÃE – Tá louca? Vai dar pití? Pirou de vez?

TULIPA – Eu tô te falando que eu não vou mais me mudar daqui!

MÃE – Dane-se o que você tá falando, eu pedi pra você procurar um negócio e voce simplesmente atirou a minha Marc Jacobs no chão! Não estou entendendo! Tira a minha Marc Jacobs desse chão nojento.  Não bastasse esse caos, esse nojo, tudo bagunçado, um futum podre, horroroso de cigarro! Isso aqui parece um pardieiro! Tá esperando o que?  Pega a Marc Jacobs! Organização nenhuma! Tá falando o que de morar sozinha? Vai sair pra onde? Alô alô, vida! Alô Alô, Tulipinha! Alô Alô!!! Aqui, guarda essa porcaria aqui.

TULIPA – Mãe, eu não vou mais morar na casa da Margarida.

MÃE – Margarida, quem é Margarida?

TULIPA – Ah! Agora você não sabe quem é Margarida?

MÃE  CANTAROLA MÚSICA

TULIPA – Mãe, olha pra mim! Será que você consegue? (mãe cantarola e vai mexer numa planta) Mãe, você vai me dizer que não sabe que a Margarida é a mulher que eu...

MÃE – Eu não sei quem é Margarida!

TULIPA – Ah, não sabe?! Então eu vou te diz..

MÃE – E nem quero saber!

TULIPA -  Por que você não me abortou quando você pode? (silêncio) Mãe! Por que você me não abortou quando você pode? Mãe!

MÃE – Você quer mesmo que eu te responda isso?

TULIPA – Quero!

MÃE – Porque eu não quis! Simples!

TULIPA – Você acha que eu sou mais uma dessas plantas que você mantém em casa com essas vitaminas e remédios que você me enfia goela abaixo.  Você não consegue nem olhar pra minha cara, eu estou te dizendo que eu to saindo de casa porque me apaixonei por uma mulher e  tava indo  morar com uma mulher porque acho que essa mulher  é mulher da minha vida! E agora eu não vou mais! Eu to falando com você!

MÃE -  Normal, Tulipa, normal!  O que demais está acontecendo na sua vida? Você escolheu colar velcro e agora não quer mais aí? Você viu essa mulher  meia dúzia de vezes e inventou de querer virar sapatão!!!

TULIPA – Meia dúzia de vezes foi  o suficiente!!!

MÃE – Ah!!! Tulipa!!! Faça-me o favor!!! Quer ir cola velcro, vai!!! Não quer ir não vai!!! Quer que eu diga o que? Que pena que agora você não vai mais adotar dois africaninhos porque mal podia ver a hora de ser vovó ? Eu, hein!!! Ai, que coisa!!! Tudo faz um negócio, um escarcel, um drama..  Me dá um gole desse vinho!

TULIPA – Negócio??? Drama? Escarcel??? Você é minha mãe??? Você é louca!!!

MÃE – Ai, Tulipa, tá me dando dor de cabeça... O astral aqui tá começando a pesar. Tá ficando pesado, pesado, pesado... Ai... Tá difícil, nossa... Vou até burrifar mais um pouquinho de arruda aqui porque tá difícil. Ai... não tem uma taça de vinho não? Fica tomando negócio no gargalo, parece uma mendiga, que horror... (vai pra janela) Você viu que linda na florzinha que tá nascendo aqui? Nossa, estão nascendo várias! Aliás você já foi no jardim lá do terraço!!! Tá ficando um espetáculo!!! As vezes eu nem acredito que fiz um jardim daqueles!!!

TULIPA ESTÁ CHORANDO

TULIPA – Mãe,  eu só queria um cólo...

MÃE – Que falar, fala, eu só não vou olhar pra sua cara porque eu tenho que arrumar essa zona que você fez..  Eu só não sei porque você ta aí se debulhando. Eu te avisei que ia dar merda. Sempre brincou de boneca!  Não sei de onde você tirou esse negócio de  de repente querer virar sapatão! Eu avisei! Eu falei e não foi uma, nem duas, nem três!

TULIPA – Quando papai fez a merda que fez...

MÃE – Tulipa, não mistura as coisas!

TULIPA – Eu só tô dizendo que com o papai você também foi até o fim.
 
MÃE – Justamente e como uma pessoa experiente, eu te avisei! Já estava antevendo tudo isso! Mas você não me ouve, agora fica aí, debulhando em cima da plantinha!

TULIPA – Mas a culpa do papai ter feito merda é toda sua! Ele só bebia e te batia porque você era uma infeliz que enchia o saco dele!

MÃE- Se você abrisse, oh, as suas orelhinhas, que estão aí, tirasse o cabelo da frente e botasse elas pra escutar, fazer a função, escutar, entendeu, escutar...  Agora, não! Não escuta nada! Vive de head phone!

TULIPA – Você tinha ciúme de mim com meu pai.

MÃE – Sua pele tem o mesmo tom que a minha, não tem? Deixa eu passar esse negócio aqui em você pra ver como é que fica?

TULIPA – Você acha que meu pai gostava de você?

MÃE – Claro que gostava, Tulipa! Que idéia! O problema do seu pai é que ele me amava até demais! Amor doentio! E você tá ficando igual, viu! Acho melhor você falar disso com a sua psicóloga, psiquiatra, sei lá!


MÃE –Fora as lágrimas, você molhou as plantas hoje a tarde?

TULIPA – Não. Eu eu vou matar essas as plantas. ENTRA MÚSICA PSYCO KILLER E DIMINUI RÁPIDO O VOLUME QUANDO CHEGAR NO MINUTO 1:18

11 - CENA TULIPA - DEPOIMENTO PLANTA          

DEPOIMENTO TULIPA – Eu queria pedir desculpas ao meio ambiente porque de fato eu sei que o que eu cometi foi sim um crime ambiental Eu tirei a vida de seres vivos, mas é que  aquilo pra mim já estava se tornando insustentável, eu estava enlouquecendo e  então eu resolvi  assassinar as plantas da vaca da minha mãe. Só que a vaca da minha mãe não poderia saber que eu eu era a agente oficial daquele crime ou eu me tornaria a vítima oficial de um outro crime. Minha mãe me mataria se soubesse que eu matei as plantas dela. Principalmente aquela árvore insuportável da felicidade. Elamava aquela planta insuportável.  Resumindo, uma noite eu esperei minha mãe dormir  e encharquei  as plantas com água sanitária. E ainda peguei o baygon e  dei uma borrifada estilo toque de orvalho. Quando vi a minha mãe lá, desolada, debulhando  em cima da plantinha,  olhei pra ela e disse:  Poxa mãe... que triste... fica assim não, pensa que não foi você. E saí. Me aliviou, sabia?

12 - CENA TULIPA E PSIQUIATRA 02

TULIPA – Mas eu  não me importo que ela me trate feito uma planta. Na verdade, eu nem me importo muito com a minha mãe.

DOUTORA HORTÊNCIA – Eu sei que deve ser difícil pra você falar de uma mãe que não te ama, mas aqui é o lugar pra você resolver isso.

TULIPA – Você acha que ela não me ama?

DOUTORA HORTÊNCIA – O que você acha?

TULIPA – Não sei, ela tentou me avisar sobre a Margarida!

DOUTORA HORTÊNCIA – Deve ser muito dolorido receber tanto desprezo da mãe e depois da mulher por quem você se apaixonou ! As pessoas pra quem mais você entregou afeto e amor te abandonarem... Isso sem falar do seu pai...

TULIPA – Doutora, eu tenho um plano.

DOUTORA HOTÊNCIA – Um plano?

TULIPA –É. Um plano!  Na verdade eu acabei de criar esse plano. Eu vou me vingar da Margarida. Ela tem mania de perseguição, doutora! Eu vou contratar um fã e vou fazer com que ele dê um jeito de pegar a assinatura dela. Ela não assina em lugar nenhum,  ela tem um carimbo pra isso! Ela vai ficar louca se acabar assinando.

DOUTORA HORTÊNCIA – Tulipa, se ela tem um carimbo justamente pra não...

TULIPA – Eu sei como entrar na mente dela. É só pegá-la desprevinida, alcoolizada, num lugar onde ela não espere um fã. Ela é extremamente vaidosa. Ele chega cheio de elogios e pronto! Vai ser moleza, você vai ver só! Ela vai ficar maluca quando cair em si.

 DOUTORA  HORTÊNCIA – O plano é ótimo mas não vai resolver esse abismo vazio que você tem aí dentro e nem essa dor de arrancar o peito que você está sentindo com tamanho abandono. Eu vejo nos seus olhos.  Pensa na função do álcool na sua vida...

TULIPA – Pra me divertir!

DOUTORA – Será? Será que não é pra anestesiar tudo isso que te corrói aí dentro? Não é fácil ser mal almada, desprezada pela mãe e um fracasso como cantora. Sua carreira quase decolou, mas não pelo seu talento, mas por um cacho que você arrumou.

TULIPA – Um cacho?

DOUTORA HORTÊNCIA – É! Um cacho! Aí o romance acabou e você ficou sem nada! Aí passou a beber ainda mais e a sua voz tá ficando rouca, cada vez pior... Você já tem tantas dificuldades...  E todo esse fracasso vai te gerando atitudes mais fracassadas... Pense nisso. Pode ser que você sinta uma enorme vontade de acabar com tudo. E se sentir, normal. Não tá fácil pra você.  Agüente firme e pense apenas que você precisa aceitar a vida como ela é. Se a vida é um jardim sem flores, não adianta se debater na lama. Tá bem? Nosso tempo acabou. (ENTRA MÚSICA VIOLÕES COM ARCO E QUANDO CAMÉLIA SE POSICIONA  CONGELADA SAI MÚSICA)


13 - DONA CAMÉLIA E DOUTORA HORTENCIA  (transição: Dona Camélia já se posiciona em congelamento pro incício da cena/ outro faz a contrarregragem)

DONA CAMÉLIA – Cheia de sangue, a mão dela tava cheia de sangue

DOUTORA HORTÊNCIA – Que isso?

DONA CAMÉLIA – Eu... eu nao vi, eu... eu... eu ouvi uma voz... a voz estava me chamando, a culpa é sua... eu..

DOUTORA  HORTÊNCIA – Eu acho melhor a senhora se sentar, eu acho que a senhora está um pouco nervo...

DONA CAMÉLIA – Pára! Pára com esse show de psiquiatra, piscóloga, sei lá o que... preocupada com as dores da humanidade!

DONA HORTÊNCIA – Eu vou pegar um copo d`água pra...

DONA CAMÉLIA – Eu não quero água nenhuma, de você eu quero muito mais mas nem o mundo que você quiser me dar vai pagar o que eu mereço receber de você!  Você pensa que eu não sei quem você é?

HORTÊNCIA SE DIRIGE AO APARELHO DE TELEFONE E PUXA O GANCHO

DONA CAMÉLIA – Tira a mão desse telefone! Tá com medo? Vai chamar quem? Pode chamar quem você quiser que ninguém me tira daqui a não ser que você queira que todo mundo saiba o que a Doutora Hortência Cravo faz com seus paciente!

DOUTORA HORTÊNCIA – Olha, a senhora tem toda razão, mas nesse momento eu preciso cuidar da patologia que  a senhora...

DONA CAMÉLIA – Não adianta me aplicar injeção alguma, eu deixei tudo por escrito.

DOUTORA HORTÊNCIA – Quadro de esquizofrenia é mesmo algo...

DONA CAMÉLIA – Algo impossível de comprovar mediante todas as gravações que eu fiz durante anos desde que botei um detetive particular atrás de você, sua manipuladora ordinária! Você acabou com a minha vida!
DOUTORA  HORTÊNCIA – Detetive? Eu não sei do que senhora está falando? Eu nunca te vi, eu não posso ter acabado com a sua vida?

DONA CAMÉLIA – Nunca me viu mas já ouviu minha voz! Não está reconhecendo? Ligou pra minha casa durante anos! Isso é o quê? Algum tipo de sadomasoquismo?  Deu quarenta tipos de nomes diferentes mas eu sempre sabia quando era você! Quando vocês viajaram pro México, que você ficou com medo de ele perder a viagem porque não atendia o celular... Ele não atendeu porque eu misturei tranquilizante no whisky dele e ele dormiu. Mas não adiantou, não  é verdade? Porque você virou a cabeça do meu marido de tal forma que quando ele acordou no dia seguinte nem hesitou pra pegar o primeiro vôo atrás de você, sua vaca!

DOUTORA HORTÊNCIA – Se a senhora soubesse como é ridículo esse papel que a senhora está fazendo...

DONA CAMÉLIA – Pára de me chamar de senhora porque eu só sou um ano mais velha que você, sua cobra, manipuladora, ordinária!

DOUTORA HORTÊNCIA – Meu Deus! Que é que houve?  Ele pediu o divórcio e voc6e resolveu amá-lo de uma hora pra outra? Ele vai te dar uma boa pensão, fica tranquila.

DONA CAMÉLIA – Vai, ele vai me dar uma excelente pensão e pra minha filha também. Só que você não vai poder ficar com ele, sua psicopata!

DOUTORA HORTÊNCIA – Não? Deixa eu adivinhar porque?  Você  vai ficar muito brava e vai matar nós dois com um só tiro se nos pegar na cama transando deliciosamente suados como você já deve ter visto que ficamos nas suas gravações.

DONA CAMÉLIA -  Como é que você consegue ser tão cruel, tão oca, tão fria?

DOUTORA HORTÊNCIA – Seu marido não me acha fria.

DONA CAMÉLIA - Que é que você queria do meu marido?

DOUTORA HORTÊNCIA – O que eu quero do meu amante?

DONA CAMÉLIA – O meu marido está morto!
DOUTORA HORTÊNCIA – Morto?

DONA CAMÉLIA – Morto! Completamente!

DOUTORA HORTÊNCIA - Querida,  você não teria coragem de mandar matar nem uma mosca.

DONA CAMÉLIA – Pois eu tive. E não mandei. Fiz eu mesma. Matei com uma tesoura de cortar frango. Enfiei bem no peito dele. No coração. Eu fiz o coração dele parar de bater. Mas eu não vim aqui prestar contas a ninguém porque afinal de contas a viúva sou eu. Eu vim dizer que quero que você me hipnotise!

DOUTORA HORTÊNCIA – Você está me dizendo matou o Antúrio?

DONA CAMÉLIA – Eu estou dizendo queeu matei o  Antúrio foi morto e agora eu quero que você me hipnotise ou então eu vou colocar no mundo toda essa sujeira que você faz aqui dentro.

DONA HORTÊNCIA – EU não sei que espécie de fantasia você criou na sua cabeça, mas nada além de tratamento terapeutico acontece aqui dentro.

DONA CAMÉLIA – Eu tenho horas de gravações das suas conversas com o Antúrio. Como é que você me chamava? Mosca morta? Achou que só você sabia ser estratégica? Péssima jogadora, hein! Vou te ensinar o princípio básico, sua louca: uma boa jogadora nunca  deve achar que está com o jogo ganho. Cobra! Pode me dizer! Você nunca pensou que fosse beber do seu próprio veneno, achou? 

DONA HORTÊNCIA – Se você não se retirar agora do meu consultório, eu vou chamar a polícia!

DONA CAMÉLIA – Você não vai chamar a polícia porque se não quem vai presa é você.  “Querido, tenho que voltar pro laboratório ! Tenho muitos ratinhos pra dissecar hoje” Ratinhos de laboratório? Seus pacientes vem aqui a procura de alguma coisa que alivie a vida deles, em busca de lucidez e você investigando como levar alguém ao suicídio? Hipnose, medicação invertida pra psicose diagnosticada, indução ao esvaziamento de sentido? Que mais?

DONA HORTÊNCIA – Uma mosca morta jamais entenderia procedimentos científicos, não adiantaria nem começar a tentar explicar. Aliás, o que um médico como o Antúrio fazia com você?

DONA CAMÉLIA – Pois eu me pergunto como uma mulher tão esperta quanto  você não tenha percebido que o Antúlio de médico não tinha nada.

DONA HORTÊNCIA – O Antúrio era o melhor médico neurocientista que eu conheci! Trabalhou durante anos comigo na Clínica das Jardineiras.

DONA CAMÉLIA – Meu marido era um grande estelionatário, doutora! Ele foi um grande médico, um grande engenheiro, foi até um grande frentista! Nem eu sei o qual era verdadeiro nome dele.  Mas eu amava o meu marido!

DONA HORTÊNCIA – O que é que você está falando? Você está mesmo muito desequilibrada.

DONA CAMÉLIA - Você foi capaz de induzir o homem que você dizia amar a estuprar a própria filha!!! Pra quê isso? Pra quê? “Você é meu homem ou é um rato?” Eu ouvi! Você desafiou esse homem a transar com a própria filha? “Se você não se importa com a roceira e com a fedelha, você seria capaz de desvirginar a ninfeta. Mas é claro que eu quero ver o lençol com sangue, né, meu amor” Como é que você pode ser tão suja? Eu tenho todas as gravações Hortência!  Não adianta querer fugir porque agora o único rato encurralado que não tem pra onde correr aqui é você!

DONA HORTÊNCIA - Você está blefando!

DONA CAMÉLIA – Você quer ver como não?

VIDEO CENA HORTENCIA E ANTÚLIO (parte da cena em que ela descobre que ele tem sífilis)

DOUTORA  HORTÊNCIA – Você matou o Antúrio?

DONA CAmÉLIA – Já passamos dessa parte.

DOUTORA  HORTÊNCIA – Você matou o Antúrio????!!!!

DONA CAMÉLIA – Vai mandar uma coroa de flores, sua psicopata?

DOUTORA  HORTÊNCIA – O que é que te faz pensar que eu não vou agora à delegacia mandar te prender?

DONA CAmÉLIA – A sua vida. Essas fitas já estão nas mãos do meu detetive. Além do que, estamos sendo monitoradas nesse exato momento. Qualquer coisa que você fizer contra mim, faz os seus procedimentos científicos pipocarem na internet, televisao e todos os jornais!

DOUTORA  HORTÊNCIA – O que é que você quer de mim?

DONA CAMÉLIA –  Senta.

DOUTORA  HORTÊNCIA – Eu estou perguntando o que você quer de mim!

DONA CAMÉLIA– Eu já mandei sentar!

DOUTORA  HORTÊNCIA – Pára com esse show novelesco e fala logo o que é que você quer.

DONA  CAMÉLIA – Eu quero que você me hipnotise e me faça esquecer tudo o que eu fui e tudo o que eu sou. Eu quero esquecer que me chamo Rosa e a partir de agora eu vou ser Camélia. Você fica com meu apartamento e cuida da minha filha.

DOUTORA  HORTÊNCIA – Você enlouqueceu?

DONA CAMÉLIA – O que é que você acha?

DOUTORA  HORTÊNCIA – Eu não vou fazer isso!

DONA CAMÉLIA – Vai sim! E vai hipnotisar a menina também. Ela precisa ser hipnotisada pra sempre mas eu quero que minha hipnose seja renovada a cada dia.

DOUTORA  HORTÊNCIA – Isso é impossível fazer! Só dá pra hipnotisar uma vez!

DONA CAMÉLIA – Mentira! Você acabou de ser premiada  pelo  projeto de Hipnose com Renovação Diária na Conferência Mundial de Neuropsiquiatria translúcida em Crisântemo.  Você fica com meu apartamento.  (ENTRA BAIXINHO MÚSICA VIOLÕES COM ARCO) Nós temos outro apartamento no prédio e ele estará em meu novo nome.Eu agora devo me chamar Camélia.  Já contratei uma pessoa pra tomar conta desses documentos. Homem de confiança do Antúrio.  Minha filha será trazida por uma outra pessoa depois. Ela deve esquecer de mim e do pai e você vai dizer que não saber nada sobre nós. Você vai matriculá-la no colégio que eu escolher e vai receber a quantia mensal necessária para sustentá-la completamente. Ela precisa fazer ballet. E você vai tomar conta de tudo e nada deve faltar pra ela. Desde  a escova de cabelo até o absorvente, quando ela menstruar.  Ela está com 11 anos e isso não vai demorar pra acontecer. Outra coisa:  deve saber que foi deixada na sua casa por uma faxineira que trabalhou aqui. Eu devo esquecer que tive filha, marido, meu apartamento...

DOUTORA HORTÊNCIA – Rosa, você deve saber  que hipnose de renovação diária tem efeitos colaterias. Provoca perda de memória recente e isso é incontrolável.

DONA CAMÉLIA – Eu devo esquecer diariamente dessa tragédia que você transformou a minha vida (SAI MÚSICA VIOLÕES COM ARCO), mas vou ficar perto. Você se torna síndica e me coloca como zeladora do prédio. Eu quero uma plástica. Nenhum morador deve me reconhecer. Com a minha filha a mesma coisa. Uma cirurgia nos olhos pra tirar os óculos e leves mudanças na face.

DOUTORA HORTÊNCIA – Zeladora?

DONA CAMÉLIA – Zeladora. Tudo vai ser filmado. O tempo todo. Enquanto você mantiver o acordo exatamente como programado, toda essa sua falcatrua  ardil vai ser mantida sob sigilo. É bom você não esquecer nem por um minuto que cada segundo da sua vida vai ter gente na sua cola. Um passo em falso e toda a sua fraude vai explodir no mundo. Você me entendeu bem? Tá me ouvindo, cachorra?

DOUTORA HORTÊNCIA – Você está sofrendo de Transtorno de Estresse Pós Traumático! Devia voltar pra casa e se acal...

DONA CAMÉLIA – Cala a sua boca, sua vadia desgraçada!  (ENTRA MÚSICA SIDNEY MAGAL NO SEGUNDO 00:09  ATÉ JÚ FAZER SINAL PRA TIRAR COM AS MÃOS – ESTILO JÔ SOARES)

14 - CENA 2 VOZES FEMININAS

MARGARIDA – Estamos voltando agora com o nosso Vozes Femininas! E nas nossas vozes vorazes veludosas vozes ENTRA MARGARIDA 00:04. Meu nome é Margarida Flores  estamos hoje com nossa querida amiga Dona Begônia! Recuperada, Dona Begônia?! Já está tudo florido por aí?

DONA BEGÔNIA -  Sim, sim! Tudo florido!

MARGARIDA – É que a Dona Begônia deu uma leve murchadinha, mas já está tudo tudo tudo  bem! Já está até desabrochando de novo, não é verdade, Dona Begônia? Pra quem começou a nos assistir agora, Dona Begônia veio nos contar sobre o homem que foi comprar cigarros e nunca mais voltou. Nunca mais. Então nos diga, Dona Begônia, em que podemos ajudá-la!

DONA BEGÔNIA – Eu preciso achar esse homem.

MARGARIDA – Produção, coloque no video uma foto do tratante.  Oi? O que? Não temos foto? Como não temos... Dona Begônia! A senhora não trouxe sequer uma foto do seu marido?

DONA BEGÔNIA – Não, é que ele não gostava muito de fotos!

MARGARIDA – Como você sobreviveu, Dona Begônia, todos esses anos, sem sequer uma única foto deste homem que te... que você tanto ama?

DONA BEGÔNIA – Claramente. A face dele está inscrita na minha alma!

MARGARIDA – Nós podemos então fazer um retrato falado deste homem! Já sabemos que ele é pobre, feio, e até um pouco ignorante.  Dona Begônia, se senhora acha que esse homem te amava?

DONA BEGÔNIA – Amava! Ele antes de ir embora me deixounum envelope de papel pardo a escritura  em meu nome de um apartamento no Edifício Margarida! Eu estou lá... esperando ele...

DONA BEGÔNIA – No Edifício... Você mora no edifício Margarida?

DONA BEGÔNIA – Moro!

MARGARIDA – Nós precisamos achar esse homem, Dona Begônia! É sim, muita coincidência. Isso é um sinal, Dona Begônia! Nós não estamos juntas, unidas, guerreiras, nesse palco por acaso! Qual era profissão deste homem? Ele era engenheiro?

DONA BEGÔNIA – Não... Ele era frentista.

BEGONIA FAZ A TARNSIÇÃO ENQUANTO MARGARIDA FALA. ARRASTA A CADEIRA PRO FUNDO E O GARÇOM COLOCA A MESA. ELA SE SENTA LÁ ATRÁS.

MARGARIDA – Frentista? Então, se este homem pobre, feio, insensível e até um pouco ignorante desaparecido há 8 anos  estiver nos assistindo, faça contato com a nossa produção. Nós lhe reservamos uma ótima recompensa. Dona Begônia, querida amiga, nós vamos achar esse homem pra você!  Esta foi a história de Dona Begônia. Aqui no Vozes Femininas , de mulher para mulher nós escutamos as vozes vorazes veludosas vozes.  Boa madrugada, queridas maravilhosas, fantásticas flores do meu jardim! Até amanhã!!!

ENTRA MÚSICA AL BOWLY E DIMINUI  DEIXANDO EM VOLUME BAIXINHO PARA PSIQUIATRA FALAR

DOUTORA HORTÊNCIA – E desde que você foi ao programa da Margarida Flores você continuou a esperá-lo sentada?

DONA BEGÔNIA – Não.

DOUTORA HORTÊNCIA – Você deveria procurá-lo num local onde vocês costumavam ir juntos.

DONA BEGÔNIA – O Rosselin! O sonho dele era trabalhar lá!

DOUTORA HORTÊNCIA - Tem algum horário específico que ele gostava de frequentar?

DONA BEGÔNIA – as 21h. Sempre as 21h.

DOUTORA HORTÊNCIA –  Então vá ao Rosselin todos os dias da sua vida às 21h e o espere chegar. Todos os dias religiosamente.  Alguma hora, ele vai aparecer.

15 - CENA DONA BEGÔNIA E GERÂNIO, O GARÇOM, NO ROSSELIN

O GARÇOM ESTÁ COM UMA BANDEJA COM CHÁ. DONA BEGÔNIA ESTÁ SENTADA À MESA ESPERANDO 

DONA BEGÔNIA – Moço! Você tem chá de melissa?

O GARÇOM FAZ QUE SIM VEM COM O ChÁ DE MELISSA

DONA BEGÔNIA – Olha, eu tô esperando uma pessoa.

ELE HESITA. 
A OLHA COMO QUEM PERGUNTA DESCONFIADO.

DONA  BEGÔNIA – Que é? Eu tô esperando meu companheiro. O Antúrio tem tido muitos compromissos, só por isso você tem me visto sozinha aqui ultimamente. E tá chovendo pra burro hoje, né? Mas hoje ele vem. Pode deixar a cadeira!

ELE DEVOLVE A CADEIRA E SAI

DONA BEGÔNIA  - Moço! É... Seu... (olha o crachá dele) Gêranio!   Seu Gerânio!  Traz um vinho! É que com esse tempinho tá combinando mais um vinho! Um merlot! O que o senhor escolher. Mas... antes eu queria te pedir uma opinião. Eu vou dar uma notícia muito especial pra uma pessoa muito especial agora. Eu vou dizer pro meu companheiro que estou grávida e que a gente vai ser muito feliz e essas coisas todas. Aí ele vai me pedir em casamento e vai querer ficar comigo por toda a eternidade, vai querer ter mais filhos, depois netos, bisnetos, dividir aposentadoria, alguém vai morrer e a aposentadoria vai virar pensão, enfim... eu preciso saber se essa notícia combina mais com peixe ou frango.

SEU GERÂNIO TENTA RESPONDER MAS FICA SEM RESPOSTA, FAZ COM AS MÃOS UM GESTO DE QUEM NÃO SABE MESMO O QUE RESPONDER

DONA  BEGÔNIA – Devia ter dito peixe, Gerânio... Porque peixe é mais saudável... faz bem... hein... Você não acha?

SEU GERÂNIO FAZ QUE SIM COM A CABEÇA

DONA BEGÔNIA – Senta aqui.

GERÂNIO, O GARÇOM,  ARREGALA OS OLHOS,  ASSUSTADO. FAZ QUE NÃO COM A CABEÇA.

DONA BEGÔNIA – Está bem... Então pode ir pegar meu vinho e traz duas taças.

ELE SAI E ELA O OBSERVA INDO COM CARA  SORRIDENTE DE ABOBADA. ELE VOLTA COM AS TAÇAS

DONA BEGÔNIA –  Agora senta e toma esse vinho comigo!

GERÂNIO ASSUSTA-SE OLHANDO PARA A PLATÉIA E VOLTA A CABE”CA PARA DONA BEGÔNIA FAZENDO  QUE NÃO COM A CABEÇA

DONA BEGÔNIA - Senta, Gerânio! Senta Gerânio!Seu Gerânio... Você não pode recusar o pedido de uma cliente... Além do que, já não tem mais ninguém no salão além do casal chupa cabra e eu tenho certeza que eles não vão se importar. Senta aqui, senta.

GERÂNIO OLHA EM VOLTA HESITANTE E SENTA RECEOSO NA PONTINHA DA CADEIRA.

DONA BEGÔNIA –  Você tem filhos?

ELE FAZ QUE NÃO COM A CABEÇA

DONA BEGÔNIA – Você tem um olhar de quem quer ter filho... Uma cara de que vai ser bom pai... To falando isso porque eu acho que as pessoas que tem essa energia de ter filho tem que ter filho... Você devia ter filho, hein, Gerânio! Você imagina, uma criancinha beijando você assim? Falando papai Gerânio?

ELE SORRI E FAZ QUE NÃO COM A CABEÇA

DONA BEGÔNIA – Eu adorei a sua barba.  E eu acho que quando essas energias se encontram não é a toa. Não é de se desperdiçar. Tem uma coisa aí dentro de você que atrai, sabe? De querer que a gente chegue perto... Você é um homem tão gentil, tão atencioso, generoso, inteligente, sincero. Você é um homem especial. São poucos homens que sentem esse prazer de sentar ao lado de uma mulher pra ouví-la falar assim.... Ai, eu adorei sua barbicha. Linda... Linda.... Linda... Eu prometo nunca enjoar dela... Olha... Acho que já fechou a cozinha... Será que a gente tá sozinho aqui?

GERÂNIO OLHA EM VOLTA E SE LEVANTA

DONA BEGÔNIA – Vai ver se a gente tá sozinho?

GERÂNIO FAZ QUE SIM COM A CABEÇA

DONA BEGÔNIA – Então vai, to te esperando em dois minutos.

ELE SAI

DONA BEGÔNIA – Gerâniooooo!!!!! Você  quer morar onde? A gente podia ficar por aqui por perto... Perto do seu trabalho... Que é que você acha? Um apartamento de um quartinho só a gente? Ou aluga logo um de dois? Melhor alugar logo o de dois, porque aí já deixa tudo preparado... Aí quando a gente resolver ter nosso filho, a gente deixa o maior pro nosso filho, porque criança a gente precisa de espaço. Mas tem que ser um prédio que tenha play, play é fundamenta, sabia? porque chega um determinado momento que a gente vai precisar utilizar salão de festa, porque esse negócio de alugar salão de festa é complicado em outro prédio dá trabalho, é caro... E escola? Escola tá pela hora da morte! E escola pública não dá... Não que seja um problema... porque meu ex- marido era super humilde e estudou em...  enfim... Escola tem que ser perto também. Escola é um negócio que tem que ser perto! Gerânio! Gerâniooooo!!! Gêeeeeee!!!!! Gêeeee!!!! Geraninho????? Geranito??? Geranusco???? Geeeeee.... Rânioooooooo?????? Gerâniooooooooooo!!!!!!!!!!! Você prefere Gê ou rânio??? Gerânio! Eu quero pagar a minha conta! Ahn Não!!!!!  (ENTRA MÚSICA EM ALTO VOLUME VIOLOES COM ARCO E DIMINUI QUANDO DONA CAMÉLIA SE POSICIONA NA CADEIRA AO CENTRO DO PALCO)

17 - CENA DONA CAMÉLIA E LIS – O ESTUPRO
DONA CAMÉLIA  (camélia deitada na cadeira) – cheia de sangue...  ela tava com as mãos... cheia de sangue, eu.... não foi minha culpa... meu bebêzinho... “me desculpa...” eu... eu falei pra ela “foi só um descuido, meu bebezinho” ela... eu não consigo ver... ela... ela some de repente... só um descuido...

LIS – Tem sangue na cozinha!

DONA CAMÉLIA – Que, minha filha?

LIS – Tem sangue na cozinha!

DONA CAMÉLIA – Sangue? Você caiu mais uma vez?

LIS – Uma poça de sangue na cozinha!

DONA CAMÉLIA – Você caiu do balanço, meu bebezinho?

LIS – Meu pai tá lá!

DONA CAMÉLIA – No balanço?

LIS- Meu pai tá lá na cozinha!

DONA CAMÉLIA – Você não tá cortada, que sangue é esse?

LIS- Ele tá  deitado na cozinha!

DONA CAMÉLIA – Que sangue é esse?!

LIS- Tem uma tesoura lá!

DONA CAMÉLIA –  Garota, que sangue é esse?!

LIS- Uma tesoura!

DONA CAMÉLIA – Que tesoura, garota?!

LIS- Uma tesoura de cortar frango bem no peito dele! Tem uma tesoura de cortar...

DONA CAMÉLIA – Ele? Ele se matou?  (vai ver e volta) O seu pai... Meu... Meu bebezinho... Seu pai...  Ai... Ele se matou? Você tá me dizendo que o seu pai se... (pausa/congelamento) matou?

LIS- Tem muito sangue, uma poça, ele tá deitado...

DONA CAMÉLIA – O seu pai se... Você... Você tá cheia de sangue....  O seu pai se matou com...

LIS- Não! Eu enfiei a tesoura de cortar frango no peito dele!

DONA CAMÉLIA – Você o que?!!!

LIS- Eu enfiei a tesoura de cortar frango no peito dele!

DONA CAMÉLIA – O que é que você tá dizendo? Você!!! Garota!!!

LIS-  Eu matei o meu pai!

DONA CAMÉLIA – Você matou o seu pai? Lis!!! Você?  Você... Por que você matou o seu pai? Por que você matou o seu... ELAS CONGELAM (AUMENTA O VOLUME DE VIOLÕES COM ARCO ENQUANTO ELAS SE AFASTAM LENTAMENTE)

LIS SENTA NA CADEIRA( DIMINUI VIOLÕES COM ARCO E ENTRA MÚSICA MINIMAL 8)

LIS- Eu tava lavando a louça do jantar  e ele me chamou. Eu fingi que não ouvi porque eu... ele veio por trás e me deu um beijo no pescoço. Eu senti cócegas. Ele me molhou com a água da louça, disse que era pra refrescar.... me abraçou forte e com o corpo colado no meu me virou junto com ele, me deu um tapa no bumbum e disse: “vai até a mesa!” Eu andei até a mesa e ele disse: “Senta aí, bem na beiradinha” . Eu fiquei parada e ele andou até mim... o papai tava calmo... ele me pegou pela cintura e me botou em cima da mesa e eu perguntei:  “o que é que você tá fazendo?” e ele disse “abre as pernas!” Eu não abri e ele escorregou as mãos da minha cintura pela minha virilha e veio me abrindo, que nem uma flor... E me chamou de “minha menininha, minha linda menininha, minha menininha vadia”  (SAI MINIMAL 8) e aí eu tentei sair, mas ele não deixou!  Aí com uma mão ele me pegou forte e com a outra ele já estava abrindo as calças! Eu tentei gritar e aí ele pegou a minha boca (tampa)! “Eu tô nervosa, eu tô muito nervosa, eu tô nervosa, eu tô muito nervosa, eu tô nervosa, eu tô muito nervosa, eu tô gostando, eu tô nervosa, a minha mãe...” a mão dele passeou subindo pelas minhas pernas, subiu pelos meus peitos e desceu de novo e ele levantou a minha saia e abaixou a minha calcinha e aí eu deitei. O mármore tava gelado. Eu estiquei os meus braços pra trás e encontrei uma tesoura de cortar frango. “O cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada, o cravo saiu ferido, e a rosa despedaçada. O cravo ficou doente, e a rosa foi visitar, o cravo teve um desmaio, e a rosa pôs-se a chorar” (ENTRA MÚSICA VIOLÕES COM ARCO ALTO E DIMINUI LOGO PARA FICAR SÖ DE FUNDO) Vai ficar tudo bem, mamãe... Vai ficar tudo bem... Vem aqui, vem?

DONA CAMÉLIA ABRAÇA A FILHA

DONA CAMÉLIA – Me perdoa... me perdoa... foi um descuido... me perdoa...

LIS-  Eu não tive culpa, eu não fiz por mal!

DONA CAMÉLIA – não foi você! Não foi você! Fui eu. Fui eu que matei teu pai! Bota isso na tua cabeça, tá? Não foi você! Fui eu que matei seu pai!  Onde que ele te tocou? Onde que ele te tocou?
Foi no seu peitinho, foi? Tira a blusa!  Tira a blusa! Eu tô mandando você tirar a blusa!

LIS-  Pára com isso mãe!

DONA CAMÉLIA – Ti-ra-a-blu-sa! Anda, garota! Foi aí? Foi aí que ele te tocou? Onde mais? Me fala? Ele gostou? Você gostou?

LIS- Eu matei ele mãe!

DONA CAMÉLIA – Eu tô perguntando se você gostou?

LIS-  Mãe, eu não ia deixar ele fazer isso nunca mais! Por isso que eu peguei a tesoura de cortar frango e

DONA CAMÉLIA – e enfiou no coração dele!  Você gostou, eu sei que você gostou! Presta atenção numa coisa, meu bebêzinho? Eu que matei seu pai. Fui eu que matei seu pai, mas você vai pegar as suas coisas agora e vai sair imediatamente dessa casa porque eu não vou suportar viver olhando todo dia pra sua cara. Anda, sai daqui!

LIS- Eu não vou sair!

DONA CAMÉLIA – Eu não tô brincando! Sai da minha frente, garota!

LIS- Mãe, pára com isso! Me perdoa pelo amor de Deus!

DONA CAMÉLIA (enxotando a filha) – Eu tô mandando você desaparecer da minha vida, sai daqui garota, saiiii, eu não quero ter que olhar pra sua cara nunca mais!

LIS (tentando resistir) – Pára, mãe, pára, pelo amor de Deus, mãe, não faz isso, eu te amo, mãe, me desculpa.. pára mãeee...

DONA CAMÉLIA DESABA AOS PRANTOS NO CHÃO

DONA CAMÉLIA – Você sabia? Que o coração é a primeira coisa que vive no ser humano e a última que morre? Você sabia disso? Você sabia que o coração é a primeira coisa que nasce no ser humano e a última que morre? Você sabia disso, garota? Que o coração é a primeira coisa que nasce e a última que morre? Eu tô dizendo que o coração é a primeira coisa que no ser humano que vive e a última que morre. Você sabe.

SAI MÚSICA VIOLÕES COM ARCO E
ENTRA MÚSICA DRAMA, ELAS SE DESLOCAM NO PALCO E SE POSICIONAM CONGELADAS.


CENA TERRAÇO SUICIDIO

CENA TULIPA E BEGONIA – MAQUIAGEM TERRAÇO
TULIPA ESTÁ COM VÁRIAS CAIXAS DE REMEDIO E CARTELAS, ESTÁ AMASSANDO COMPRIMIDOS DENTRO DE UMA GARRAFA DE VINHO. QUANDO DONA BEGONIA CHEGA ELA ESCONDE AS CAIXAS E DEIXA O COPO.

SAI MÚSICA DRAMA

DONA BEGÔNIA – Boa noite!

TULIPA – Boa... Não! Mentira! Não acredito!!!! Não... Não pode ser...  Me dá um abraço!!! (abraça) Por que é que você não me falou por telefone?

DONA BEGÔNIA – O que?

TULIPA – Me dá um abraço?! Como o que? Que vou maquiar a... Não... Ai Meu Deus, obrigada! Que graça o senhor me concedeu agora no fim!!!!

DONA BEGÔNIA – Então, quantpo tempo você acha que vai demorar?

TULIPA  – Calma, calma... Deixa eu me recompor...  Meu  Deus!!!! Me belisca!!!  Cara.... Eu sou tua fã!!! Fã fã fã, você sabe o que é fã?  Fã de carteirinha????Bethania!!!! Bethania!!!! Bethania, eu te amo!!!! Eu tenho todos os seus cds e dvds e até roubei os discos da minha mãe... Ai, desculpa, é que eu sou muito muito muito sua fã... Você vai maquiar pra um show?

DONA BEGÔNIA –  o Que é que você acha de a gente escolher  as cores das sombras?

TULIPA – Vou passar a base. Ai, que pele... Posso tirar uma foto? Pode ser depois de maquiar!

DONA BEGÔNIA – Você pode passar um pouco de corretivo nos meus olhos?

TULIPA – Ai, claro, desculpa! É que eu nunca maquiei uma pessoa tão... viva, sabe? Mas me conta...A Vamo aproveitar que a gente tá assim... tão... juntas. Me conta! É um show? Posso ir? Você me arrumaria um convite?! Eu também sou cantora!! Eu só maquio cadá... Eu só maquio enquanto eu não decolo na minha carreira de cantora.

DONA BEGÔNIA – Não... Não é show. É um grande amor. Um caso antigo... Um cara que eu fui casada e há gente tá há sete anos separados e eu tenho um encontro com ele no Rosselin, aquele restaurante argentino chiquérrimo.

TULIPA – Calma aí, ele?  Homem?

DONA BEGÔNIA – Homem...

TULIPA - Bethania! Você não é sapatão? Eu sempre achei  que voce fosse sapatão!

DONA BEGÔNIA – Não, esse é caso antigo. E eu preciso que você faça uma maquiagem que combine com contar que está grávida!

TULIPA – Bethania!!! Você tá grávida?

DONA BEGÔNIA – Tô! E vou contar pra ele que eu tô gravida!

TULIPA – E eu tô sabendo antes do pai que você tá grávida?

DONA BEGÔNIA – Está!

TULIPA – Nossa, que honra! Parabéns!!! Nossa... Como eu tinha certeza que você era sapatão! Mas assim... muito sapatão... A gente se engana tanto nessa vida, né?  Boquinha de peixe, faz boquinha de peixe, eu vou passar o rouge. Eu vou passar  o rouge. Olha pra cima... Eu marquei aqui no terraço por causa da luz, espero que você não estranhe. Ai... Tem uma músioca que você canta... ai... que eu, eu tenho ouvido todos os dias nos últimos dias! Aquela assim: “Oh sim... eu estou tão cansado... mas não pra dizer... que não acredito mais em você... Estou indo embora... um dia eu volto quem sabe mas eu preciso... eu preciso esquecer a... oh minha grande... a minha pequena... a iminha imensa obsessão... a minha grande obsessão a minha honey baby baby... babayyy honey baaaaaaaaaaaby”

DONA BEGÔNIA – Eu preciso te falar uma coisa.

TULIPA – O que? Fala, fala, fala. Eu juro que não conto pra ninguém!

DONA BEGÔNIA - Na verdade eu não... eu não.... eu não tô grávida e também não  vou encontrar homem nenhum.

TULIPA – Ah... sabia... Era uma mulher e você não queria me contar?

DONA BEGÔNIA – Ah, não, você também?

TULIPA – Eu o que? Se eu também sou sapatão? Depende do momento. Se voc6e não está mais namorando uma mulher, mas está sofrendo e determionada a se matar por ela, você ainda é sapatão?

DONA BEGÔNIA -  Acho que sim.

TULIPA – Bom, então eu ainda tô sapatão. E na verdade, vou morrer sapatão.

DONA BEGÔNIA – Olha... tudo bem voc6e ser sapatão, mas eu não sou sapatão.

TULIPA – Que isso, Bethânia! Todo mundo sabe que você é sapatão.

DONA BEGÔNIA – É que tem uma outra coisa que eu também preciso te dizer... Eu não sou...

TULIPA – Desculpa te interromper, mas eu preciso de agradecer! Hoje é um dia definitivo na minha vida. O mais definitivo de todos os dias mais definitivos. E Você aparecer aqui, diante de mim, só pode ser mesmo um presente dos céus. Eu nem acreditava em Deus, mas agora... agora, não tem como não acreditar. Agora eu posso até morrer em paz...

DONA BEGÔNIA – Então, é que eu preciso te dizer que eu...

TULIPA – Eu preciso te pedir linceça só por um minuto, porque eu preciso urgentemente pegar um lenço klinex pra secar minhas lágrimas de gratidão, só um momento, Bethania, rainha...

DONA BEGONIA TOMA O VINHO MISTURADO COM REMEDIO DE TULIPA

TULIPA VOLTA

TULIPA – Olha você me desculpa mas é wque hoje eu estou muito sensível  mesmo, tá barra pra mim, mas a sua maquiagem vai ficar linda. Só que você acabou não me contando pra onde você vai!

DONA BEGÔNIA – Pro caixão... Eu quero.... se ele aparecer eu quero estar...

TULIPA – Caixão? Que é isso? Não conheço essa casa de show não... É nova?

DONA BEGÔNIA – Menina... ai... eu Tôoo... Eu não sou a... essa aí que você... ai.... tá me dando uma tonteira... um sono assim de repente...

TULIPA – Calma... Calma, Bethania..  EU vou pegar uma água pra você! Caramba? Cadê  meu vinho?

DONA BEGÔNIA – Desculpa, eu tomei seu vinh... (adormece)

TULIPA – Bethania!!! Bethania!!!! Bethania, você tomou o meu.... Ai meu Deus... Bethania!!! Tinha remedio nesse vinho, Bethania!!! Muito remédio Bethania!!! Você tomou meu remédio, Bethânia!!! Como eu vou morrer ago... Bethânia, não morre, Bethania!!! Acorda, pelo amor de Deus, Não faz isso comigo!!!  Meu Deus!!!! Eu matei a Bethania????  Meu Deus!!! Socorro!!!  Porra Deus, que sacanagem!!! Justo hoje que eu tava acreditando em você!!!!  Essa mulher é envolvida com a macumba , meu deus, vai vir egun pra cima de mim... AI, minha nossa senhora do perpétuo socorro, eu sei que eu to em falta com a senhora mais ou menos desde que eu nasci, mas pelo amor de deus... eu pedi pra morrer não pra ser presa... Olha Bethania... Eu não fiz de propósito...  Eu juro... Esse vinho batizado era pra mim, Bethânia...  Eu que ia morrer... Você roubou a minha morte, Bethânia. Você bebeu a minha morte... Que lindo isso...  Você bebeu a minha morte .... Dava uma música... Você bebeu a minha morte (cantarola) Ai... Bethania...  Você era tão linda... Tão talentosa, Bethânia... Que perda pra música brasileira.... Ai, Caetano, me desculpa, caetano... Ainda mais nos últimos dias.... Ai Bethania... Se você soubesse quantas músicas suas eu escutei... eu tava tão.... tão... tão triste... tão... morta por dentro... Assim, tipo voc6e só que por dentro... Ela não gostava de mim, só queria saber dos meu pai e talvez um pouco dos meus peitos...  Eu virei sapatão por ela, mas... mas ela não me amava...

ENTRA MÚSICA DRAMA
DOUTORA HORTÊNCIA SE LEVANTA E CHEGA ATÉ TULIPA (BAIXA VOLUME DA MÚSICA DRAMA)

DOUTORA HORTÊNCIA – Ahhhhh Não!

TULIPA – Doutora!!!! Doutora!!!! Me ajuda!!! A Bethania morreu!!! Eu ia me matar com um vinho batizado, mas ela bebeu!!!!

DOUTORA HORTÊNCIA – Que Bethânia?

TULIPA – Como que Bethânia, doutora?  BethÂnia, a cantora, você não tá vendo? Eu gtava maquiando ela pra... não sei direito, acho que pra um show no caixão e....

DOUTORA HORTÊNCIA – Tulipa, tá delirando? Que Bethânia? Essa é a Dona Begônia do sétimo andar. Tomou o vinho de propósito! Deve ter se matado. Já tava pra se matar faz sete anos. Até que enfim tomou coragem.

TULIPA – Como assim?

DOUTORA HORTÊNCIA – Como assim, o quê?

TULIPA – Como assim não é a Bethânia? Ela me enganou durante todo esse tempo? Eu aqui...

DOUTORA HORTÊNCIA – Que foi, Tulipa? Vai se matar por causa disso?

TULIPA – Vou! Vou! Claro que vou! O ser humano não presta! Nenhum ser humano presta! Eu vou fazer o que aqui nesse mundo onde todos os homens e mulheres são uns bostas de elefante com cabeça de verme de porco? Ninguém se importa com ninguém, a gente é completamente sozinho. Qual o sentido de viver completamente sozinho? Todo aquele papo de que a vida é a arte do encontro? Que encontro?Que arte?  Que vida?

DOUTORA HORTÊNCIA – Vamo aproveitar que a gente é sozinho, nasce sozinho, morre sozinho e, eventualmente ou para  alguns sempre, dorme  sozinho e vamo aproveitar e ficar um pouco mais sozinho , cada um no seu canto...

TULIPA – Eu só queria saber se duas caixas da medicação já são suficiente pra...

DOUTORA HORTÊNCIA – São. Mas em silêncio, por favor...  E se puder, vá lá pro outro lado do terraço... eu quero ficar nesse canto aqui. Sozinha.

AUMENTA VOLUME DA MÚSICA DRAMA
DOUTORA HORTÊNCIA ACENDE UM CIGARRO E CHEGA MARGARIDA CORRENDO ESBAFORIDA COM UMA ARMA NA MÃO

MARGARIDA - MARGARIDA – Não faz essa cara de psicóloga pra mim , não! (pausa curta) Posso começar?
MARGARIDA– Horrível!!!! Aconteceu uma coisa Horrivel!!!! Eu assassinei!!! Eu assassinei!!!

(BAIXA UM POUCO O VOLUME DA MÜSICA DRAMA)

DOUTORA HORTÊNCIA – Assassinou?

MARGARIDA – É! Assassinei!!! Assassinei tudo... A Tulipa descobriu tudo ela acha que eu não gosto dela,  que eu só me aproximei pra descobrir quem é o meu pai e eu até me aproximei só pra descobrir quem é o meu pai, mas eu me apaixonei!!! EU me apaixonei!!! Uma coisa horrível! É... Me apaixonei... E contei tudo tudo tudo e... e acabou... acabou...  ela acabou com a gente, acabou comigo acabou  com tudo! Eu nunca nunca nunca mais vou achar o meu pai! A minha vida acabou!

DOUTORA  HORTÊNCIA – Margarida, eu conheci o seu pai. Seu pai está morto

MARGARIDA – Morto?

DOUTORA HORTÊNCIA – Morto. Conpletamente.

MARGARIDA – E porque você nunca falou isso antes?

DOUTORA HORTÊNCIA – Sigilo terapeutico.

MARGARIDA – Morto? Então... Então a minha vida... a minha vida acabou?

DOUTORA HORTÊNCIA – Essa é uma escolha que só cabe a você.  A Tulipa tá ali tentando se matar do outro lado do terraço. Se eu fosse você ia lar dar uma mãozinha pra ela.

MARGARIDA  CAMINHA ATÉ O OUTRO LADO E ENCONTRA  TULIPA

MARGARIDA – O que é que você está fazendo aqui?

CONGELAM TULIPA E MARGARIDA

LIS – Tia Hortência! A Dona Camélia... Ela.... Eu acho que ela não tá muito bem...

DONA CAMÉLIA – a lata do lixo... a lata... eu... eu acho que eu matei minha menina... a minha menininha... eu... ela sumiu....

DOUTORA HORTÊNCIA – Deixa ela, Lis, deixa ela... É assim mesmo... daqui a pouco ela vai  melhorar.

LIS – Nossa... tá cheio aqui... Todo mundo veio ver o jardim? Ele está lindo não está? Vocês viram a plantação de girassóis que a Dona Camélia plantou? A vida daqui... Não fica bem mais... amor...

DONA CAMÉLIA ANDA ATORDOADA PELO TERRAÇO E  VAI ATÉ MARGARIDA

DONA CAMÉLIA – Vocês viram? Vocês viram a minha menininha? Ela... ela tem a pele... ‘uma bonequinha... meu bebezinho...

LIS – Tia... Quer dizer... É...  Eu acho que a Dona Camélia tá assim porque ela não foi na consulta de hoje porque você ficou brava comigo e sumiu e agora ela tá assim, você precisa ajudar a Dona Camélia a melhorar com a hipnose de renovação diá...

DOUTORA HORTÊNCIA – Cala a boca, garota.

LIS CONGELA

MARGARIDA – Nem mais uma chance?  Você pode pelo menos me perdoar? Por favor, pelo menos isso? Me perdoar?  Eupreciso do seu perdão pra te deixar partir em paz. Pra eu partir em paz.

TULIPA – Margarida... Quebrou tudo. Não sobrou nada. A vida as vezes é assim... uma Roleta Russa. A gente vai  girando o tambor, tentando se encaixar em vários buraquinhos e as vezes até se encaixa, mas  é que as vezes... não tem encaixe...

DONA CAMÉLIA VAI ATÉ DONA BEGÔNIA

DONA CAMÉLIA – Ei, moça... acorda... você viu a minha bonequinha.... eu... você viu? Ela tava no balanço... por favor, moça... ela.... ela...  ela tem um olho azul.... Antúrio! Eu não...  Foi um descuido...

LIS – EU posso ler um poema  que eu fiz pra vida?

SAI MÚSICA DRAMA E
ENTRA MÚSICA MINIMAL 8

ENQUANTO LIS LÊ O POEMA, DONA CAmÉLIA VEM SE ENGATINHANDO PELO CHÃO DO TERRAÇO ATÉ CHEGAR AOS PÉS DE  LIS

LIS – A vida é tão bela, a gente devia acender pra ela uma vela todo dia enquanto alguém nos vê da janela  desfilar o sorriso da alma que dança um canto a capela.

SAI MÚSICA MINIMAL 8 E
ENTRA MÚSICA DRAMA

 
DONA CAMÉLIA – Achei... Achei.... Achei.... Eu achei...  Eu.... Esse pé... Você... Meu bebêzinho... Mas você... minha bonequinha...  Fui eu... Eu não tive culpa... Me perdoa... Me perdoa, pelo amor de Deus... Doutora... Hortência Cravo? Ai... Meu Deus... Ai meu Deus... Hipnose... Que foi que eu fiz? Minha filha.... Que foi que eu fiz? Eu.... Eu enlouqueci?

DOUTORA HORTÊNCIA – Acho que sim...

CONGELAM LIS, HORTÊNCIA E CAMÉLIA

DONA BEGÔNIA COMEÇA A ACORDAR ENQUANTO TULIPA E MARGARIDA DISCUTEM

TULIPA – Eu não agüento nem mais um minuto. Pra mim chega.

MARGARIDA – Não resta mais nenhuma chance?

TULIPA – Nenhuma. Eu descobri que sua intuição estava certa. O meu pai é o mesmo que o seu. Nós somos irmãs.

MARGARIDA – E eu descobri que Dona Camélia estava certa! Papai está morto!

TULIPA – Morto?

MARGARIDA – Morto! Completamente! Já que a gente não pode viver juntas, então a gente pode morrer juntas.

TULIPA – Existe caixão de casal?

MARGARIDA – Como a gente faz?

TULIPA – Eu tenho remédio aqui. Mas no fundo, eu acho muita covardia se matar com  remédio. Você não sente a adrenalina da morte.  Pelo menos que morra tendo algum ato de coragem.

MARGARIDA – Eu tenho um revólver aqui. Mas só tem uma bala. Você me dá a mão?

TULIPA – Eu morreria afogada, mas acho que agora a gente não tem essa opção.

MARGARIDA – E se a gente desistir no meio do caminho?

TULIPA – Como assim, desistir?

MARGARIDA – É! Se a gente pular, descobrir que preferia se amar e desistir no meio do caminho?

TULIPA – Dizem que a pessoa desmaia no meio do caminho.

MARGARIDA – É?

TULIPA – É.

MARGARIDA – Certeza?

TULIPA – Certeza absoluta, toda do mundo. Me dá a mão. Um... dois...

DONA BEGÔNIA – Ei! Você tem que terminar a minha maquiagem!

TULIPA  - Ei? Ei? Deixa eu te fazer uma pergunta!  Eu eu quero que você seja honesta comigo! Você não é a Bethânia?

DONA BEGÔNIA – Você não vai terminar minha maquiagem?

TULIPA – Você é Begônia ou é Bethânia?

DONA BEGÔNIA – Eu sou a sua Bethânia.

TULIPA – Você é só a minha Bethânia ou é a Bethânia de todo o Brasil e mundo e universo?

DONA BEGÔNIA – Só sua. Eu sou só sua Bethânia!

TULIPA – Sua cadela! Você não vale nada! Eu cantei a minha dor pra você! Eu cantei meu abandono, minha morte, minha alma!!!! Sai daqui e me deixa morrer em paz!

DONA BEGÔNIA – Eu só queria morrer linda...

MARGARIDA – Esquece esse homem, Dona Begônia! Feio, pobre, insensíve e até um pouco ignorante...

DONA BEGÔNIA – Margarida? Você também vai morrer? Posso morrer com vocês?

TULIPA – Tá... Mas tem que pular no três.

DONA BEGÔNIA – Um...

MARGARIDA – Deixa eu só fazer uma poema oração antes?

TULIPA – Poema oração?

MARGARIDA – É ! Poema oração.

TULIPA – Que coisa mais cafona!

MARGARIDA – É cafona, mas é com amor!

DONA BEGÔNIA – A gente tá morrendo de mãos dadas e você achando poema oração uma cafonisse? Pelo amor de Deus...

MARGARIDA - Entrelacamos as maos. Eu e ela .Precipito-me E num salto.

TULIPA –  Pára com isso, Margarida! Um...

MARGARIDA – Tá bom, parei! Dois...

DONA BEGÔNIA – Trê...

LIS (puxando a arma da mão de Dona Camélia) – Nãooooooo! Não, mãe!!!! Não faz isso...

HORTÊNCIA – Que? Que mãe?

DONA CAMÉLIA – Você sabia disso? Você sabia disso, garota?

LIS – Mãe, eu não fiz por mal!

HORTÊNCIA – Essa menina está delirando.

LIS – Eu... Eu...  Eu segui a mamãe até o consultório e ouvi toda a conversa de vocês. Eu... eu tentei deixar funcionar a hipnose, mas... mas comigo não funcionava e... e eu fingi... eu fingi... eu fiquei com medo e fingi... Me desculpa mãe...

HORTÊNCIA – Quem diria, a princesinha é uma cobra ardilosa!!!

LIS – Não é isso... É que tudo pode ser sempre tão mais bonito quando você olha o céu e o vê... Eu achei que... Que eu podia... Pintar um arco-íris de alegria na sua vida e a da minha mãe e...

DONA CAMÉLIA – Me dá uma abraço, minha filha!!! Eu...

HORTÊNCIA – Deixa de ser cínica, garota! Você acabou com a minha vida! Sua ninfeta desgraçada! Você e essa louca da sua mãe!!! Cadê as câmeras???? Cadê as câmeras???? Hein!!!! Você vai botar na mídia que a Doutora Hortência Cravo, renomada psicóloga e psiquiatra especializada em Crisântemo resolveu dar cabo de sua vida!!!! Pois bote!!!! Eu infelizmente não vou estar aqui pra assistir esse espetáculo!!!!

DOUTORA HORTÊNCIA CONGELA

DONA BEGÔNIA – Ih, gente... A doutrora também é muito louca!

DOUTORA HORTÊNCIA – Eu não sou loucaaaaa!!!!! Eu sou mulheeeerrrr!!!!!!! (para a platéia)
Eu devia matar você! Esquartejar você! Cortar em mil pedacinhos e jogar numa lata de lixo! Você matou o único homem que eu fui capaz de amar, sua maluca!

DONA CAMÉLIA – Não fala assim com a minha menina, sua manipuladora ordinária. A sua farsa acabou! Acabou!!! Acabou, sua vaca!

LIS – Não foi ela! E você não vai conseguir se aplicar oxigênio. Eu tirei a seringa do seu bolso. Eu sabia o que você estava vindo fazer aqui.

HORTÊNCIA – Sua cretina!!!!! Não acredito!!!

HORTÊNCIA TENTA PEGAR  A ARMA DE DONA CAMÉLIA E ELAS LUTAM PELA ARMA

LIS – Não Faz isso!!! O detetive Narciso está chegando e ele vai cuidar de tudo...  Ninguém vai precisar ir pro céu! Pára mãe!

TIRO EM DIREÇAO A LIS. TODAS CONGELAM.
SAI MÚSICA DRAMA
ENTRA MINIMAL 8


LIS CAMINHA ATÉ AS PÉTALAS DE ROSAS VERMELHAS NO CHÃO E SE DEITA MORTA COM UMA ROSA NO PEITO.

SAI MÚSICA MINIMAL 8
ENTRA MÚSICA DRAMA


DETETIVE – Algo de muito grave está acpontecendo aqui.